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terça-feira, 21 de agosto de 2018

(R) Estar

Naquela terça (tinha que ser na terça...) eu me perdi em memórias... Tudo o que me lembrava era de um sorriso e de uma lágrima. Despedidas são sempre complicadas, mas muitas vezes necessárias. E nessa mesma terça eu estava refletindo sobre o papel que algumas pessoas exercem na nossa vida.

Algumas pessoas chegam na nossa vida e não vão embora nunca mais. Outras tem prazo de validade: chegam, ficam por um tempo muito específico e depois vão embora. Também existem aquelas que vão embora, mas voltam... a única constante aqui é a transformação. Pensando mais um pouco sobre isso, vejo que eu também tive prazo de validade na vida de algumas pessoas, cumpri meu papel e fui embora. Também já fui e já voltei e também já cheguei para nunca mais ir.

No momento em que as pessoas se vão, muitas vezes é difícil entender o porquê. Talvez demore alguns anos para compreendermos que aquela pessoa tão querida foi embora porque cumpriu sua quest, sua missão e agora tem outras mais para cumprir. Também podemos passar uma vida inteira sem ter tal discernimento, o que é triste, pois nos deixa um buraco no peito, não entender porque alguém tão querido nos deixou. É como se fosse um mistério que não foi resolvido.

E se tem mistério maior que esse, é saber o impacto que a nossa ausência pode ter causado em alguém. E até mesmo a ausência marca uma presença...

Se hoje eu tenho lembranças é que porque em algum momento, por mais breve que tenha sido, tive o presente, ops, a presença.

Um sorriso, uma lágrima, uma viagem, um retorno, um violão, olhos azuis e olhos castanhos, um texto, um livro, uma música, um cheiro, um sabor, um hambúrguer, um violoncelo, uma estrela, um trabalho, uma escola, uma casa e pessoas... Coisas simples e até mesmo corriqueiras que ganharam um novo significado (ou melhor dizendo, se tornaram significantes). E hoje, o que ficam são os significantes e as representações. Só restam as memórias... mas até quando elas irão restar? Até quando eu (r) estarei?


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Reforma



"Mudança introduzida em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados"

Quem nunca esteve em reforma? Quem nunca buscou estar em uma nova forma? E o que de novo podemos trazer a uma velha forma?

Tantas perguntas...

A reforma me trouxe reflexões, me fez questionar primeiramente, como adquiri a forma que tenho hoje. Será que é uma forma gasosa, líquida ou sólida? Percebi que, dependendo da pressão exercida sob a minha forma ou se as coisas ao redor dela estiverem ou muito frias ou muito quentes, ela pode mudar.

Também me questionei se as mudanças exteriores à forma provocavam mudanças interiores também ou vice-versa.

Talvez o processo se iniciasse internamente e consequentemente provocasse uma reação externa, visível a todos aqueles que queiram enxergar.

Ou talvez algo no ambiente provocasse uma mudança externa à forma e consequentemente isso causasse uma mudança interna, vísivel a poucos olhos. 

De qualquer forma, a forma se reforma sempre. E como vemos frequentemente por aí, placas se sentem culpadas porque a reforma causa transtornos. 

Transtornos a quem se reforma e a quem está próximo também. E por que se desculpar por estar em reforma?

Des-culpar - é como se a própria palavra tirasse a culpa de quem a estivesse carregando.

Seja como for, caso você queira ou não carregar a sua própria culpa, sigo eu me reinventando, carregando apenas aquilo que a mim pertence e a mim diz respeito. Porque é com esse material (que é só meu) que eu sigo fazendo a minha re-forma.


terça-feira, 23 de maio de 2017

Você vem sempre aqui?



Não saberia dizer se o dia amanhecera ensolarado ou nublado, pois não batia sol na minha janela, tampouco a luz externa conseguia alcança-la. Após me levantar e executar algumas tarefas rotineiras, observei que havia um envelope que, provavelmente, alguém jogara por baixo da porta. No envelope não havia informação alguma sobre o remetente. Constava apenas o seguinte escrito: “Para você”.

Não é preciso dizer o quão curiosa fiquei. Cheguei até mesmo a pensar que aquilo não passava de um engano. Após passar por um momento de reflexão, abri o envelope. Nele havia uma carta, escrita à mão, com a caligrafia ligeiramente inclinada para a direita, letras corridas e pressão média. Também reparei que o papel havia sido dobrado exatamente no meio. Isso me deixara com uma pontinha de contentamento.

Sem mais delongas, transcrevo abaixo a carta que li:


Minha cara,

Não sei dizer quanto tempo se passou desde o dia que nos conhecemos ou desde o última dia que nos vimos. De qualquer forma, parece uma eternidade. E encarar a eternidade não é uma tarefa fácil. Tão pouco sei sobre você hoje em dia! Ainda escuta as mesmas músicas? Ainda trabalha no mesmo lugar? Ainda tem os mesmos sonhos? E a questão mais importante é: por que eu ainda me preocupo em saber essas coisas? Está claro aqui certo interesse da minha parte, que ainda permanece, mesmo diante do profundo desejo de extingui-lo. Seja como for, não adianta pensar em como estaríamos hoje se determinada coisa tivesse ou não acontecido. É preciso lidar com aquilo que temos em mãos no momento.

Aliás, certa vez lembro-me de uma amiga dizer: “Mais vale um chocolate na mão do que duas pizzas voando”. E ela tinha lá sua razão. Vários “se” poderiam ter existido, mas precisamos lidar apenas com aqueles que se tornaram reais, com aquilo que realmente aconteceu e não com aquelas coisas que gostaríamos que tivessem acontecido.

É justamente então para lidar com as coisas que aconteceram que resolvi lhe escrever essa carta. Não me leve a mal, não irei me desculpar por erros passados, tampouco irei fingir que não os cometi. Só penso que aquilo que não foi resolvido a tempo perdeu sua validade. E como me calei quando deveria falar, e falei quando deveria me calar, venho aproveitar a oportunidade para me despedir.

Não se assuste, não vou para a França (mesmo sabendo que isso lhe causaria dores na espinha todas as noites). Não irei mudar de endereço... a mudança que acontecerá será interna, profunda e totalmente transformadora.

Aproveito enquanto ainda não estou acanhado e lhe convido para conhecer a nova versão de mim mesmo. Tenho certeza que lhe agradará (quem não se agradaria?) e que essa mudança trará benefícios extraordinários em nossas vidas.

Como sei que você não consegue dizer não para mim (e espero que isso não tenha mudado) gostaria de conhece-la melhor.

Aliás, você vem sempre aqui?

P.S.: A Deus e A Você.


Ao terminar de ler a carta, não sabia se ria ou se chorava. Acredito que um pouco das duas coisas aconteceu. A carta não estava assinada, mas também não era preciso... não é preciso ver a assinatura do Van Gogh para saber que se admira um quadro dele. Resolvi pegar um café para refletir um pouco sobre o que havia acabado de ler e mal peguei a xícara e ouvi um barulho na porta. Ao abri-la me deparo com ele.

- Olá, você vem sempre aqui?

- Sim! Gostaria de entrar para tomar uma xícara de café? – não resisti.

- Oh! Mas não seria muito incômodo?

- Claro que não! Queira entrar!

E foi assim que o deixei entrar em minha casa... em minha vida.


Até quando? 


Só Deus sabe.


Só você sabe.



terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Sem apresentações



Eu adorava admirar aquele rosto. A pele era negra e linda. A barba e o cabelo estavam ligeiramente grandes. As sobrancelhas em seus devidos lugares e levemente arqueadas. Os olhos eram pequenos e castanho-escuros, com um levíssimo toque esverdeado. A boca suave... E um sorriso belíssimo. Altura média e um belo porte físico. Tudo isso formava o conjunto da obra. Junte isso com uma belíssima voz, um grande talento musical, aptidão para tarefas mais práticas, facilidade em aprender e falar idiomas, curiosidade, carisma, grande humildade e orgulho. Junte tudo isso e então terão um deslumbre do homem. Nem eu nem os melhores escritores poderiam fazer uma descrição perfeita. Sempre há algo que nos escapa à visão ou que a nossa escrita não abrangerá. Mas por hora esse pequeno parágrafo basta.

Bastou que esse homem sorrisse: pronto! O estrago já estava feito. Mas é uma daquelas coisas que você não percebe de imediato, só mais para a frente é que os sintomas começam a surgir e quando você percebe já é tarde demais, não há remédio que cure essa (ar) dor.

Nome? É injusto pensar que apenas um nome tem a difícil tarefa de carregar todos esses significados, por isso não direi seu nome e nem seria preciso. Ele é o tipo de pessoa que recusa apresentações. A imagem valia mais que uma palavra.

Os anos se passavam e suas características e sua beleza apenas se aprimoravam. Era uma obra de arte viva. Uma obra de arte que eu vivia a contemplar. Eu e mais um monte de gente.

Enquanto o passar do tempo trazia o desinteresse para as outras pessoas, para mim o interesse apenas aumentava e uma vida apenas parecia pouco demais para conhecer profundamente aquele ser. Sorte que uma vida era o que eu precisava para amá-lo. Como disse anteriormente, demorei a perceber os sintomas e demorei mais ainda para identificar o causador deles, mas quando percebi, já não havia volta mais, já fazia parte daquela vida e sabia que a minha mudaria para sempre.

Hoje, tempo depois do primeiro golpe – o sorriso – o entusiasmo permanece, a curiosidade aumenta, o conhecimento se acumula e o amor, ah o amor, ele cresce a cada dia. E continuará crescendo...


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Do que você é feito?




Do que você é feito?

Já diria Shakespeare que “somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos.” E você, é feito de quê?

Acredito que somos feitos de várias coisas, coisas que passaram por nós e de alguma forma nos habita. Na nossa composição tem o cheirinho da casa da avó, também tem aquele sorriso do bebê no colo da mãe que passou naquela rua logo ali. Tem um pouco de cada pessoa que passou na nossa vida, um pouco do conhecimento, da experiência, da alegria ou da tristeza dessas pessoas.

Em nós também habitam os costumes da nossa família, da nossa cultura, do nosso mundo, de todos aqueles que amamos e também daqueles que não gostamos. Um pouco de tudo e de todos que passaram por nós, nos habita.

Agora imagine a nossa presunção em pensar naquela contribuição dos nossos amigos, da nossa família que faz parte da nossa composição. Quantos pronomes possessivos! Quanta presunção! Como se de fato algo realmente nos pertencesse!

Simplesmente roubamos (pegamos ou capturamos, se você preferir) parte dos outros para nós mesmos. Enquanto isso, diversas pessoas simplesmente se doam, compartilhando e contribuindo com aquilo que elas têm de melhor para nos oferecer e precisamos ser espertos para capturar essas pequenas maravilhosas coisas.

Você já parou para pensar qual parte das pessoas que você ama habita em você? A bondade que aquele seu amigo tem ou a coragem que a sua prima sempre mostra em várias situações?

Qual parte de mim habita em você?



E afinal, do que você é feito?


quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ano novo é placebo


Sim, isso mesmo que você leu ali em cima! A atual ideia de ano novo é culturalmente questionável. As pessoas ficam ansiosas, fazem planos e definem metas. Compram roupas novas para a “virada do ano”, fazem simpatias e comemoram!


“Ano novo” na verdade é apenas mais uma passagem de um dia para outro. Assim como se passa do “dia 24” ao dia “25”. Não há, necessariamente, motivos para celebrar a mudança de uma folha do calendário, como se magicamente tudo fosse mudar e de repente você se tornasse capaz de realizar todos os seus sonhos, que aliás, você teve a oportunidade de concretizá-los no ano anterior, mas não o fez.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A falta que a falta faz



Era segunda-feira à noite, eu encarava o céu estrelado e sabia que ele, do outro lado, encarava esse mesmo céu. Não me preocupava mais com a distância física que insistia em existir. Minha maior preocupação sempre fora com aquela distância que a gente cria, pois essa é mais difícil de ser superada. Quantos vivem tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe? E quantos vivem tão longe, mas tão próximos? É difícil se encontrar nessa balança.

Não me atrevo a contar meias verdades (se é que isso existe) dizendo que não me importo de forma alguma com a distância física, pois me importo sim. É só que depois de um tempo passamos a balancear mais as coisas, verificando o que tem mais importância e com o que deveríamos nos importar menos.
Acabei aprendendo (não tão facilmente) a lidar com uma série de coisas, inclusive com a própria distância, mas mesmo estando preparados para algo, ainda há a chance de sermos pegos de surpresa.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Rascunhos #1


"Feliz quem voltasse a ser criança!" O homem simpático, mas sentimental, que entoa a canção do menino ditoso, desejaria também voltar à Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as crianças são felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas desarmonias, de todos os sofrimentos.

Para trás, não conduz a nenhum caminho, nem para o lobo nem para a criança. No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que foi criado até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca mais, nadar contra a corrente.
O lobo da Estepe - Hermann Hesse


Então, a verdade é que tenho medo de escrever porque tenho medo de escrever besteira. Aprendi a prezar a coerência do que penso e colocar tudo em palavras  é um desafio novo para mim. Primeiro por causa das limitações da linguagem e comunicação - assunto para outra hora -, segundo porque sinto uma necessidade, que na verdade é uma obrigação: fundamentar tudo que eu escrevo. Ter uma opinião ou achar alguma coisa nada significa. É dezembro de 2016 e temos milênios de contribuição humana para eu vir divagar sobre um assunto qualquer sem o mínimo de respeito pelo que outras pessoas já refletiram e escreveram. É uma consciência de que problemas que me vem a mente já podem ter sido resolvidos há séculos e seria uma negligência não considerar essa possibilidade. Então  resolvi escrever sem pensar muito, primeiramente como um rascunho e fundamentarei depois, caso isso seja possível, é claro...

Acho que me ocorreu uma epifania agora pouco.  Não sei se é essa a palavra, mas eu poderia chamá-la de insight também. Tem a ver um pouco com a inquietação intelectual, essa fermentação constante de idéias na minha cabeça. Mas indo ao ponto que me trouxe aqui: a palavra chave é resiliência. Não tanto sob o aspecto de "resistência" que ela traz (aqui estou divagando novamente sobre a limitação da linguagem), mas mais sobre o sentido de adaptação.  Não quero expor o fato ocorrido, o negócio é que  a resiliência trouxe consigo a reflexão sobre a maioridade e falarei dela primeiro. Não a maioridade penal, mas aquela mesma maioridade que fala Immanuel  Kant.

Diferente da maioridade penal, para Kant alguém deixar de ser criança, deixa a menoridade, quando ela passa a ter capacidade de usar seu próprio entendimento, a servir de si próprio  sem a tutela de outra pessoa. É sobre tomar coragem, consciência da responsabilidade pela sua própria vida e do seu destino. É saber que o final da vida, como ela vai terminar,  é uma responsabilidade individual (estou misturando um pouco de Sartre aqui também).  Isso é um marcador que diferencia as pessoas: aquelas que tem consciência da diferença entre existir e viver e aquelas que ficam a mercê dos estímulos externos e internos, existindo no modo automático  e mal conseguem ver um passo a frente.

Não posso deixar de falar, portanto,  como é bonito ver alguém atingir a maioridade - eu diria que fico um pouco triste também, talvez entendam por quê. Se nascemos sob dezenas de determinadas condições, seja o idioma, a condição financeira, a família , o país, a cultura etc., quando alguém toma a postura adulta de encarar que condição é algo intrínseco a existência e que o que vem depois, isto é, as escolhas, são o que determinam o porvir, essa pessoa merece o mínimo de admiração - ainda mais visto a degradação cultural e intelectual dos nossos dias.

Mas a maioridade traz consigo um desafio (é um eufemismo para o que eu queria chamar de maldição, seria isso um exagero meu?). A gente acaba se deparando com algumas perguntas: como  "qual é o sentido da vida?", ou "para que estamos aqui?", e ainda, "para onde ir"? E não, não conheço ninguém que tenha as respostas... Além disso vem aquele ceticismo icônico, senão a necessidade da prova para se crer em algo, uma fundamentação lógica ao menos. Pense bem, são as crianças que acreditam em fadas e coisas do gênero...

E lembrar dia após dia dessa responsabilidade, ter consigo os olhos abertos para as consequências de cada atitude tomada soa às vezes motivador, "eu faço meu próprio destino"; mas muitas delas é um fardo para se carregar, "se eu fizer merda, vai dar merda". Quem foi que disse mesmo?: "A ignorância é uma benção."

Só que não era para parecer uma lamentação, acredite. É justamente agora que entra a questão da resiliência: a capacidade de  superar os momentos difíceis, a capacidade de continuar. Li uma vez que a resiliência seria uma espécie de inteligência, mas agora arrisco a dizer que é bem mais que isso. É uma virtude.

A questão é que como não temos um manual pronto sobre como viver, sobre o que é certo ou errado, é totalmente justificável e legítimo que erremos na nossa jornada - construir uma moralidade pessoal é uma arte. Digo errar no sentido de fazer escolhas erradas: escolher a profissão errada, a amizade errada, a ideologia errada, a expectativa errada,  falar no momento errado... o gosto é  o do freguês aqui. E a resiliência é o que nos permite ir adiante apesar de toda conseqüência possível.

Dessa forma, que a gente permita se perdoar pelas escolhas erradas. Que a gente possa ter em nossa consciência a racionalidade para tomar decisões: quando as circunstâncias mostrarem que é hora de ir ou deixar ir, que possamos ir ou deixar ir. Quando as circunstâncias mostrarem que devemos ficar, que nós fiquemos. Ainda assim, não estaremos livres do erro. E se ele ocorrer, que  a gente possa ser resiliente e lembrar que estamos todos no mesmo barco e que o Sol voltará amanhã, para um novo começo.

Obs.: Claro que muitas das dificuldades que passamos não é culpa nossa e a resiliência tem também um papel fundamental na superação delas, mas o foco aqui é justamente todas as consequências que ocorrem por nossas ações mesmo.




Por H. Haller.



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Feliz aniversário?




Aquele dia amanheceu frio. O vento gélido balançava impiedosamente os cabelos de Ana, enquanto ela se perguntava porque não podia balançar impiedosamente o vento de volta. Após rir desse pensamento estúpido, ela se perdeu em pensamentos mais profundos e mais antigos.

Então se viu criança, com um vestido amarelo e com bolinhas, correndo livremente em campo verde. Ela sentiu o calor da infância e sorriu. Como tudo era belo e medonho! Voltou ao seu tempo e viu como tudo ainda continuava da mesma forma. Apesar de ter se tornado adulta, ainda se sentia às vezes com uma sensação de impotência e de inocência em relação ao mundo e as pessoas.

Era 1º de setembro, a primavera estava por aí e seu aniversário de 26 anos também. Esse ano ela iria passar o aniversário dela de outra forma, apenas com ela mesma. Nada de ligações, e-mails, recados, rede sociais. Apenas ela e o belo campo que havia perto da sua casa.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Outra carta...



16 de setembro de 2016, Belo Horizonte.

Olá,

Sei que não esperava mais cartas minhas, na verdade eu também não esperava por isso, mas aqui estou, escrevendo mais uma das inúmeras cartas que já lhe escrevi.

Meu objetivo não é lhe aborrecer e se isso de alguma forma acontece, peço desculpas pelo infortúnio, não é a minha intenção. Por que lhe escrevo então? Sinto saudade? Não creio que seja isso. Apenas tive vontade e se essa súbita vontade tinha a ver com algum desejo inconsciente, não sei, Freud que me desculpe.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Tal pai, tal filho?

Às vezes tudo o que eu queria era dar uma pausa da vida corrida e da rotina louca em que estava. Eu trabalhava de 8h às 20h, todos os dias, e ao chegar em casa ainda recebia telefonemas e e-mails com coisas aparentemente extremamente importantes e que precisavam de uma solução imediata.

Aos finais de semana eu limpava minha casa, saia para passear com os meus gatos e os cachorros (sim, meus gatos passeavam junto com os cachorros), escutava música, passava algum tempo na internet e o melhor de tudo, tocava meu piano. Na verdade, era o piano de minha mãe, o recebi de presente assim que me mudei para minha própria casa.

Todos os amigos da família dizem que meus irmãos, Fred e Jorge são a cara do meu pai e que eu sou a cara da minha mãe. No começo eu não gostava muito disso, as pessoas estão sempre dizendo que nos parecemos fisicamente com fulano, que temos o temperamento de ciclano e que somos bons em música como o beltrano. Parece uma tentativa meio frustrada de nos identificar, dando a ideia de que se somos assim, somos porque o fulano também é.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da terra ao céu



Numa entediante noite de julho, em que aparentemente nada de novo aconteceria, recebi uma mensagem. Um amigo distante estava na cidade e gostaria de me encontrar. Fazia tempo que não mantínhamos contato, mas era aquele tipo de amizade que apesar de ficar muito tempo sem ter contato com a pessoa, quando o reencontro acontece, parece que nada mudou e tudo flui naturalmente.

É preciso dizer que hesitei bastante a respeito desse encontro, mas como não havia nenhuma previsão mais agradável para a noite, resolvi ignorar minha intuição e fui no local e na hora combinada.

A lua estava bem bonita e o céu bem estrelado. Quantas estrelas! Sempre ao olhar para o céu sentia que havia algo que precisava, que pedia para ser interpretado, lido, mas algo me deixava cega. Talvez a maravilha da criação... e então eu me lembrava de algo que me disseram uma vez: “não há tempo para se maravilhar com as coisas de Deus”. Não sei até que ponto eu concordava com isso, na verdade, acho que nem ao menos concordava, mas era sempre engraçado me lembrar disso.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A hora de cada hora



Gabriela se remexia inquieta em sua cama, não conseguia dormir. Se levantou e foi brincar na sala. Sua mãe, Carla, ainda acordada, se surpreendeu ao ver sua filha ainda acordada, apesar da ordem dada anteriormente.

- Gabriela, eu já lhe disse para ir dormir. Já são 23h! Isso não é hora de uma mocinha como você estar acordada!
- Maaaas mãe!
- Nem mas nem menos!
- Eu não consigo dormir! Você não entende!
- Sente-se aqui, Gabi - ela se sentou no sofá, ao lado de sua mãe - Está vendo aquele relógio? Ele é um relógio mágico!
- Ah é? - os olhos de Gabi brilharam de interesse.
- É sim! Ele mostra as horas e também a hora de cada hora!
- Como assim, mãe?
- Cada lugar que o ponteiro pára indica uma função ou atividade que devemos realizar, como mágica!
- Ainda não entendi!
- Quando o ponteiro maior estiver no número nove significa que é hora de ir para a cama.
- Ah... e se essa mágica não acontecer?
- Ai é que está! A mágica sempre acontece, mesmo quando parece não acontecer! Você não estar na cama agora nos possibilitou ter essa conversa, mas espero que entenda que se um horário não for cumprido, ele atrapalhará todos os outros.
- Eu duvido!
- Veremos!

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quando ela bate à porta



Era uma sexta-feira chuvosa, eu me aquecia com roupas quentes, tomava um bom chá e lia um ótimo livro. Nada poderia mudar isso, até que algo mudou. Alguém bateu à porta. Quem poderia ser naquela hora, com aquela tempestade? Com um leve mau humor saí de minha zona de conforto e fui até a porta, já sentindo o vento gelado. Ao abri-la me deparei com uma figura um tanto peculiar.

Era uma mulher com os cabelos mais negros que eu já vi, ela tinha uma pele dourada, olhos marcantes e estava completamente encharcada. Apesar da insegurança que reina na sociedade atual, não pude deixar de ser solidário e a deixei entrar. Uma completa estranha, em minha casa, no meio de uma tempestade e já tarde da noite. Quem diria que isso atrapalharia minha leitura noturna? Quanto infortúnio! Tentando não pensar no meu livro, que me encarava culposamente em uma mesa próxima, a ofereci toalhas, um casaco e um chá quente. Ao estar devidamente aquecida, nos acomodamos na sala de estar e então julguei ser a hora de cumprir todas aquelas convenções sociais.

domingo, 15 de maio de 2016

Sinto muito!



"Sinto muito. Sinto mesmo!"

Aquela caligrafia bonita, impressa em folha branca, o encarava persistentemente. Como pequenas palavras poderiam guardar tanto significado? Esse é o tipo daquelas perguntas que todos querem saber, mas não fazem ideia da resposta.

Paulo fingia andar despretensiosamente pela sala, mas na verdade aquelas palavras alfinetavam o seu cérebro.
Quão grande pode ser o abismo entre o que é dito e o que é entendido? Ou será que esses pensamentos estavam servindo apenas para aliviar o temor de realmente saber o que tudo aquilo significava?




quinta-feira, 12 de maio de 2016

Eu, você, duas pingas e um Louco

- Muié, qual'é o mistério da vida?
- Vá saber, Homi! A única cois que sei agora é que o dinheiro diminui e as dúvidas aumentam.
- Ah sim! Li algo a respeito nu jornal, ontem. Dizem que é assim que as coisas têm sido. Intāo assim deve de ser...
- Amém!
- Homi?
- Árra! Diga, Muié!
- Ontem tive um sonho estranho.
- Já lhe disse pra num creditá nessas coisas, mas tu do jeito que é...
- Sonhei que eu ia imbora pra longe e que tinha muitos nomes.
- Isso num faz sentido nenhum, Muié! Essa pinga é das ruim é?
- Árra!
- Oia só! O Louco tá bebendo um copo vazio, Muié!
- O copo tá cheio, mas de algo que o sinhô num pode ver! Porque o essencial é invisível aos olhos!
- Mas que cara culto, Homi, respeite o sinhô. Se ele fala assim, com certeza deve de entender das coisas que ele entende!
- Se ocê tá dizendo... eu é que num vô contrariá uma muié com uma pinga na mão!
- Faz bem, seu sinhô! Me diga aqui, sinhô, em título de segredo, por que me chamou Louco?
- Ocê pode prová que num é Louco?
- Não, num posso.
- Todo mundo é louco inté que se prove o contrário!
- Ah, Homi! Ocê é mesmo dos inteligente viu!
- Claro, muié! Sou das meió qualidade. Lembra quando lutei braço a braço com aquelezinho desaforado?
- Árra, Homi, faz tanto tempo! Esquece dessas coisas!
- Num esqueço é nunca!
- Que se passou, sinhô?
- O sinhô Louco há de me intendê quando o assunto é as muié! Antes da muié virar minha Muié, havia um tipozinho dos estranho, que veio do vilarejo vizinho e se dizia doutô. Num é que ele cismou que a muié seria Muié dele? Árra! Entramo-nos numa das luta corporal e arranquei-lhe o dente das frente.
- O sinhô há de estar certo! Muié dos otro é pimenta que tanto bate até que fura.
- Deve de ser mesmo... Gostei d'ocê Louco, vou lhe pagar uma pinga das boa, pra encher seu copo que já tá cheio. Pode de ser?
- Árra, Muié! Agora que o sinhô dos Louco já partiu os calcanhá, num é que me pareceu que ele num tinha os dente da frente também? Muié? Árra! Mas essa pinga é das boa mesmo! Muié?
Alguém viu minha Muié?

quinta-feira, 7 de abril de 2016

(In) Cômoda



Arthur lançava o seu olhar mais desanimador para o seu quarto. Não que isso fosse desanimar o quarto, mas até as mobílias pareciam sem ânimo para serem inanimadas. Quantos livros, discos, itens, objetos... tudo aparentemente normal e propositalmente um pouco fora do lugar. Quem olhava aquilo apenas via objetos comuns à muitas pessoas, mas Arthur infelizmente via mais. Engraçado como é possível depositar em objetos valores sentimentais e até culpas! Que culpa o coitado do CD tem? Muitas, pois Arthur culpou o CD por muitas coisas. É tão tranquilizante quando por um momento achamos que transferimos nossa responsabilidade pelas coisas que nos acontecem a alguém ou algo, que não seja a gente. Ufa! Que alívio!

O CD culpado nada falava, nada fazia, apenas ficava inerte, esperando alguma força agir sobre ele. Nem é possível dizer que ele esperava algo, muito menos isso. Ele apenas era. E enquanto isso Arthur pensava se jogaria fora aquele CD ou não. Se jogasse o CD fora, também teria que jogar as roupas, os livros, os discos e muitos outros itens. Qual seria o critério? Isso era trabalhoso demais, então decidiu que encarar tudo aquilo com desânimo era menos trabalhoso do que decidir quais coisas manter consigo. Então se sentou em um canto menos bagunçado da cama e encarou novamente objeto por objeto. Ao encarar cada objeto, foi se lembrando da culpa que havia concedido a cada um deles.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Eu uso óculos!




A sala estava mal iluminada, com móveis escassos e velhos pelo uso. Uma pequena camada de poeira revestia aquele ambiente. Em um canto no chão havia um pedaço de papel amassado, com palavras que ainda desconhecemos. Ao centro havia um espelho e nele um reflexo. O reflexo era de um homem de seus trinta e poucos anos, com barba por fazer, uma marquinha no nariz, entre os olhos, indicando o uso de um óculos. Seu cabelo era abundante, porém estava bastante bagunçado. A expressão daquele homem para seu próprio reflexo era de total indiferença. Ele simplesmente não se reconhecia ali. Como podia ter tanta certeza de si, de seus ideais, mas não se reconhecer em seu próprio reflexo? O que havia de errado?

Tom deixou de encarar seus próprios olhos, tomou um banho e se ajeitou. Não pertencia àquele corpo, não pertencia à lugar algum. Abriu a porta daquele aposento, que os outros se referiam como casa e foi para a rua.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Medusa Epílogo



Fazia frio.

Ou porque estava sem blusa de frio ou porque a temperatura havia caído. Estava só. Afinal, é assim que passamos a vida, apesar de perceber esse fato apenas quando ela está para acabar. 


Tenho vagas lembranças da vida que tive. Um bom emprego, uma boa casa, uma mulher extraordinária e três filhos. Mas agora nada disso importa, nem ao menos lembro o nome deles. 


Vamos inventando sentindo para a vida, mesmo sabendo que ela não tem um (ou tem?). Alimentamos expectativas, cultivamos amizades e criamos objetivos, tudo para esquecer a brevidade e superficialidade disso tudo. 


Passamos a vida procurando passar o maior tempo possível com as pessoas que amamos, acumulando riquezas e nos preocupando com o tal legado. Mas, para quê? Não levamos riquezas para a terra, ela já é cheia delas. Não levamos também as pessoas que amamos. E o legado, como irão se lembrar da gente quando não estivermos mais vivos para rebater as injúrias, é mutável e nem um pouco confiável. É como dizem: “Coitadinho” Está morto, já podemos falar dele”. Vivo ou morto falam bem ou mal de você. 


E quando faz frio, nada disso importa, muito menos se você esqueceu a blusa de frio em casa ou não. Quando faz muito frio seus pelos se arrepiam, seu corpo se retesa, seus sentidos se aguçam, a pressão abaixa e seu corpo tenta manter o calor. Engraçado como quando percebemos que a força nos deixa, a respiração falha e irônica e teimosamente o coração bate mais forte. 


Ah! O coração! O atribuímos tantas funções, tantas culpas, mas que culpa o coitado dele tem? Afinal, que culpa temos? Foi tudo por causa de uma maçã? E quem disse que era mesmo uma maçã? 


Isso também já não importa, pois enquanto falo, se é que falo, minha vida se...

quarta-feira, 9 de março de 2016

Medusa III




Casamos.

Medusa e eu nos casamos. Isso significa que interpretei corretamente a resposta do pedido que havia feito há tanto tempo. Sim, leitor, agora já estamos juntos há nove anos. Nesse tempo muita coisa aconteceu, nossa vida foi mudando, nossos pensamentos também, como seria de se esperar. Mas não se engane com a banalidade dos relacionamentos, pois alguns deles nada tem de banal. 

Chega um momento na nossa vida (eles chegam várias vezes, em vários momentos, por sinal) que sentimos que falta algo. Mas o que poderia estar faltando? Tinha a casa, a mulher e o emprego dos meus sonhos. O que mais um homem poderia querer? Eu estava prestes a descobrir e não foi tão fácil assim de aceitar isso. O que me faltava. Às vezes a gente demora para cair na realidade, eu apenas não poderia demorar demais. Esse tipo de coisa pode causar estragos que marcam as pessoas e podem deixar cicatrizes, bem tênues e tímidas, no fundo da alma, se é que ela existe. Acho que no fundo tudo isso é medo. Mas vamos por partes.