quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ano novo é placebo


Sim, isso mesmo que você leu ali em cima! A atual ideia de ano novo é culturalmente questionável. As pessoas ficam ansiosas, fazem planos e definem metas. Compram roupas novas para a “virada do ano”, fazem simpatias e comemoram!


“Ano novo” na verdade é apenas mais uma passagem de um dia para outro. Assim como se passa do “dia 24” ao dia “25”. Não há, necessariamente, motivos para celebrar a mudança de uma folha do calendário, como se magicamente tudo fosse mudar e de repente você se tornasse capaz de realizar todos os seus sonhos, que aliás, você teve a oportunidade de concretizá-los no ano anterior, mas não o fez.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A falta que a falta faz



Era segunda-feira à noite, eu encarava o céu estrelado e sabia que ele, do outro lado, encarava esse mesmo céu. Não me preocupava mais com a distância física que insistia em existir. Minha maior preocupação sempre fora com aquela distância que a gente cria, pois essa é mais difícil de ser superada. Quantos vivem tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe? E quantos vivem tão longe, mas tão próximos? É difícil se encontrar nessa balança.

Não me atrevo a contar meias verdades (se é que isso existe) dizendo que não me importo de forma alguma com a distância física, pois me importo sim. É só que depois de um tempo passamos a balancear mais as coisas, verificando o que tem mais importância e com o que deveríamos nos importar menos.
Acabei aprendendo (não tão facilmente) a lidar com uma série de coisas, inclusive com a própria distância, mas mesmo estando preparados para algo, ainda há a chance de sermos pegos de surpresa.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Não se entristeça!


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Pesquisa de público




Pessoal,


Estamos fazendo uma pesquisa de público para conhecer melhor nossos leitores e melhorar o blog e as postagens cada vez mais!

Levará apenas 5 minutinhos e contribuirá muito com o blog!

Contamos com a sua participação!

Basta clicar aqui e responder ao questionário.

Obrigada pela participação!




domingo, 11 de dezembro de 2016

Rascunhos #1


"Feliz quem voltasse a ser criança!" O homem simpático, mas sentimental, que entoa a canção do menino ditoso, desejaria também voltar à Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as crianças são felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas desarmonias, de todos os sofrimentos.

Para trás, não conduz a nenhum caminho, nem para o lobo nem para a criança. No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que foi criado até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca mais, nadar contra a corrente.
O lobo da Estepe - Hermann Hesse


Então, a verdade é que tenho medo de escrever porque tenho medo de escrever besteira. Aprendi a prezar a coerência do que penso e colocar tudo em palavras  é um desafio novo para mim. Primeiro por causa das limitações da linguagem e comunicação - assunto para outra hora -, segundo porque sinto uma necessidade, que na verdade é uma obrigação: fundamentar tudo que eu escrevo. Ter uma opinião ou achar alguma coisa nada significa. É dezembro de 2016 e temos milênios de contribuição humana para eu vir divagar sobre um assunto qualquer sem o mínimo de respeito pelo que outras pessoas já refletiram e escreveram. É uma consciência de que problemas que me vem a mente já podem ter sido resolvidos há séculos e seria uma negligência não considerar essa possibilidade. Então  resolvi escrever sem pensar muito, primeiramente como um rascunho e fundamentarei depois, caso isso seja possível, é claro...

Acho que me ocorreu uma epifania agora pouco.  Não sei se é essa a palavra, mas eu poderia chamá-la de insight também. Tem a ver um pouco com a inquietação intelectual, essa fermentação constante de idéias na minha cabeça. Mas indo ao ponto que me trouxe aqui: a palavra chave é resiliência. Não tanto sob o aspecto de "resistência" que ela traz (aqui estou divagando novamente sobre a limitação da linguagem), mas mais sobre o sentido de adaptação.  Não quero expor o fato ocorrido, o negócio é que  a resiliência trouxe consigo a reflexão sobre a maioridade e falarei dela primeiro. Não a maioridade penal, mas aquela mesma maioridade que fala Immanuel  Kant.

Diferente da maioridade penal, para Kant alguém deixar de ser criança, deixa a menoridade, quando ela passa a ter capacidade de usar seu próprio entendimento, a servir de si próprio  sem a tutela de outra pessoa. É sobre tomar coragem, consciência da responsabilidade pela sua própria vida e do seu destino. É saber que o final da vida, como ela vai terminar,  é uma responsabilidade individual (estou misturando um pouco de Sartre aqui também).  Isso é um marcador que diferencia as pessoas: aquelas que tem consciência da diferença entre existir e viver e aquelas que ficam a mercê dos estímulos externos e internos, existindo no modo automático  e mal conseguem ver um passo a frente.

Não posso deixar de falar, portanto,  como é bonito ver alguém atingir a maioridade - eu diria que fico um pouco triste também, talvez entendam por quê. Se nascemos sob dezenas de determinadas condições, seja o idioma, a condição financeira, a família , o país, a cultura etc., quando alguém toma a postura adulta de encarar que condição é algo intrínseco a existência e que o que vem depois, isto é, as escolhas, são o que determinam o porvir, essa pessoa merece o mínimo de admiração - ainda mais visto a degradação cultural e intelectual dos nossos dias.

Mas a maioridade traz consigo um desafio (é um eufemismo para o que eu queria chamar de maldição, seria isso um exagero meu?). A gente acaba se deparando com algumas perguntas: como  "qual é o sentido da vida?", ou "para que estamos aqui?", e ainda, "para onde ir"? E não, não conheço ninguém que tenha as respostas... Além disso vem aquele ceticismo icônico, senão a necessidade da prova para se crer em algo, uma fundamentação lógica ao menos. Pense bem, são as crianças que acreditam em fadas e coisas do gênero...

E lembrar dia após dia dessa responsabilidade, ter consigo os olhos abertos para as consequências de cada atitude tomada soa às vezes motivador, "eu faço meu próprio destino"; mas muitas delas é um fardo para se carregar, "se eu fizer merda, vai dar merda". Quem foi que disse mesmo?: "A ignorância é uma benção."

Só que não era para parecer uma lamentação, acredite. É justamente agora que entra a questão da resiliência: a capacidade de  superar os momentos difíceis, a capacidade de continuar. Li uma vez que a resiliência seria uma espécie de inteligência, mas agora arrisco a dizer que é bem mais que isso. É uma virtude.

A questão é que como não temos um manual pronto sobre como viver, sobre o que é certo ou errado, é totalmente justificável e legítimo que erremos na nossa jornada - construir uma moralidade pessoal é uma arte. Digo errar no sentido de fazer escolhas erradas: escolher a profissão errada, a amizade errada, a ideologia errada, a expectativa errada,  falar no momento errado... o gosto é  o do freguês aqui. E a resiliência é o que nos permite ir adiante apesar de toda conseqüência possível.

Dessa forma, que a gente permita se perdoar pelas escolhas erradas. Que a gente possa ter em nossa consciência a racionalidade para tomar decisões: quando as circunstâncias mostrarem que é hora de ir ou deixar ir, que possamos ir ou deixar ir. Quando as circunstâncias mostrarem que devemos ficar, que nós fiquemos. Ainda assim, não estaremos livres do erro. E se ele ocorrer, que  a gente possa ser resiliente e lembrar que estamos todos no mesmo barco e que o Sol voltará amanhã, para um novo começo.

Obs.: Claro que muitas das dificuldades que passamos não é culpa nossa e a resiliência tem também um papel fundamental na superação delas, mas o foco aqui é justamente todas as consequências que ocorrem por nossas ações mesmo.




Por H. Haller.



Novo colaborador - Harry Haller

O blog está para completar 4 anos de existência e já passou por várias mudanças, incluindo o layout e o conteúdo. O tempo passa (será que passa mesmo?) e cada vez mais nos preparamos para o agora que está por vir. O blog cresceu, ganhou novos leitores, novos seguidores e agora ganhou um novo colaborador. Um amigo meu irá nos presentear (espero que frequentemente) com seus textos, seus pensamentos e suas ideias. Ele assinará suas postagens como Harry Haller. Espero que gostem!


sexta-feira, 18 de novembro de 2016

19 de novembro



Mais um dia em novembro surgia e o sol se cobria com nuvens que anunciavam chuva. Como é de se esperar, não se pode esperar aquilo que se espera. Traduzindo: não crie expectativas. Naquele momento eu já não tinha nenhuma e um peso me era tirado das costas. Como é bom ser livre por não carregar na mente aquilo que você espera dos outros! Isso te poupa muito trabalho e um bocado de frustração.

Por muito tempo ignorei o significado daquele dia, esse mesmo que surgiu com o sol coberto por nuvens. Ignorei até perceber que não se pode ignorar um elefante pintado de amarelo com bolinhas pretas. Quanto mais esforço fazemos para ignorar ou esquecer algo, maior é a energia e o pensamento que estamos transferindo a isso. Então caímos em um paradoxo. Para ignorar algo, eu penso que devo ignorar, se penso que devo ignorar algo, estou pensando nesse algo que deve ser ignorado. Confuso? Na prática é mais simples e também mais complexo ainda.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Reescrever






Escrever nem sempre é fácil, reescrever muito menos, principalmente quando o que estava escrito parece fazer todo o sentido do mundo e não parece existir quaisquer outras palavras que possam substituir aquilo que ali já está.

Assim também é a vida. Escrever o nosso caminho é um processo árduo e muito difícil no começo. Quando nos acontece algo que porventura nos desorganiza, inicialmente nos parece ser quase impossível reescrever a nossa história a partir daquele ponto. Tudo que antes fazia sentido foi desconstruído e não parece haver nada mais satisfatório para colocar no lugar.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Feliz aniversário?




Aquele dia amanheceu frio. O vento gélido balançava impiedosamente os cabelos de Ana, enquanto ela se perguntava porque não podia balançar impiedosamente o vento de volta. Após rir desse pensamento estúpido, ela se perdeu em pensamentos mais profundos e mais antigos.

Então se viu criança, com um vestido amarelo e com bolinhas, correndo livremente em campo verde. Ela sentiu o calor da infância e sorriu. Como tudo era belo e medonho! Voltou ao seu tempo e viu como tudo ainda continuava da mesma forma. Apesar de ter se tornado adulta, ainda se sentia às vezes com uma sensação de impotência e de inocência em relação ao mundo e as pessoas.

Era 1º de setembro, a primavera estava por aí e seu aniversário de 26 anos também. Esse ano ela iria passar o aniversário dela de outra forma, apenas com ela mesma. Nada de ligações, e-mails, recados, rede sociais. Apenas ela e o belo campo que havia perto da sua casa.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Outra carta...



16 de setembro de 2016, Belo Horizonte.

Olá,

Sei que não esperava mais cartas minhas, na verdade eu também não esperava por isso, mas aqui estou, escrevendo mais uma das inúmeras cartas que já lhe escrevi.

Meu objetivo não é lhe aborrecer e se isso de alguma forma acontece, peço desculpas pelo infortúnio, não é a minha intenção. Por que lhe escrevo então? Sinto saudade? Não creio que seja isso. Apenas tive vontade e se essa súbita vontade tinha a ver com algum desejo inconsciente, não sei, Freud que me desculpe.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Tempo tempo tempo



Tempo. Se você pesquisar a respeito verá que existem vários possíveis significados para essa palavra. "Medida de duração; época; ocasião". As variáveis são imensas e isso não facilita o entendimento que podemos ter a respeito do tempo.

Também é possível ouvir várias coisas a respeito dele. Tais como: "não tenho tempo" ou "o tempo passa rápido". Todas essas coisas são interpretações. Como quando o tempo parece passar mais rápido quando estamos nos divertindo e mais devagar quando não estamos. Como quando o tempo parece parar quando estamos ansiosos para que algo aconteça ou quando parece que passou tão rápido, depois que esse "algo" aconteceu. Alguns vendem seu tempo, outros pagariam o preço que fosse para obter um pouco mais. Há momentos em que simplesmente queremos parar o tempo, mas também há outros em que queremos que passe tão rápido que não seja possível dizer ao menos que passou.


Tempo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O presente que o presente nos dá



Várias vezes nos pegamos olhando para passado e para o futuro, mas não para o presente que está diante de nossos olhos.

Olhamos para trás, quase sempre para relembrar antigas dores e sentimos angústia. Olhamos para frente, quase sempre tentando imaginar o que nos aguarda e nos sentimos ansiosos. Nessas situações temos sentimentos decorridos de coisas que já se passaram ou coisas que ainda nem ocorreram e sofremos de novo ou sofremos por antecipação.

Não devemos, claro, subestimar a importância que esse tipo de olhar pode ter, mas não devemos jamais deixar que nossa atenção seja dirigida apenas a esse tipo de coisa. Olhar para trás pode ser importante para perceber o quanto mudamos em tão pouco tempo, relembrar erros que não queremos cometer novamente e até mesmo nos deliciar com boas memórias que sempre nos fazem rir e nos aquecem o coração.

Olhar para frente pode nos ajudar no planejamento e na organização da nossa vida hoje, para que possamos encaminhar (ou tentar encaminhar) nossa vida na direção do caminho que queremos percorrer. Entretanto, olhar constantemente para frente pode causar também alguns efeitos colaterais, principalmente a ansiedade e até mesmo a frustração.

O olhar que não deve jamais ser ignorado é o olhar do presente, pois é somente no presente que vamos nos constituindo e mudando o ambiente a nossa volta. A cada novo dia novas versões de nós mesmos são produzidas e escolhemos aquilo que ainda precisa ser aperfeiçoado. O presente, mais que fruto do passado, é a construção do futuro. O que existe é o agora, o presente. O instante no qual você começou a ler esse texto não existe mais, o que existe é esse instante, esse mesmo em que você está lendo agora e só existirá enquanto você continuar lendo. Em seguida novos instantes virão. O presente nunca pára.



Uma possível forma de lidar com nossas constantes visões do passado e do futuro seria viver o presente. Lembrar que o presente não tem esse nome à toa e que a vida é uma dádiva. Cabe somente a nós decidirmos se vamos aproveitar ou não o presente que o presente nos dá a todo momento: a oportunidade de viver.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Tal pai, tal filho?

Às vezes tudo o que eu queria era dar uma pausa da vida corrida e da rotina louca em que estava. Eu trabalhava de 8h às 20h, todos os dias, e ao chegar em casa ainda recebia telefonemas e e-mails com coisas aparentemente extremamente importantes e que precisavam de uma solução imediata.

Aos finais de semana eu limpava minha casa, saia para passear com os meus gatos e os cachorros (sim, meus gatos passeavam junto com os cachorros), escutava música, passava algum tempo na internet e o melhor de tudo, tocava meu piano. Na verdade, era o piano de minha mãe, o recebi de presente assim que me mudei para minha própria casa.

Todos os amigos da família dizem que meus irmãos, Fred e Jorge são a cara do meu pai e que eu sou a cara da minha mãe. No começo eu não gostava muito disso, as pessoas estão sempre dizendo que nos parecemos fisicamente com fulano, que temos o temperamento de ciclano e que somos bons em música como o beltrano. Parece uma tentativa meio frustrada de nos identificar, dando a ideia de que se somos assim, somos porque o fulano também é.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da terra ao céu



Numa entediante noite de julho, em que aparentemente nada de novo aconteceria, recebi uma mensagem. Um amigo distante estava na cidade e gostaria de me encontrar. Fazia tempo que não mantínhamos contato, mas era aquele tipo de amizade que apesar de ficar muito tempo sem ter contato com a pessoa, quando o reencontro acontece, parece que nada mudou e tudo flui naturalmente.

É preciso dizer que hesitei bastante a respeito desse encontro, mas como não havia nenhuma previsão mais agradável para a noite, resolvi ignorar minha intuição e fui no local e na hora combinada.

A lua estava bem bonita e o céu bem estrelado. Quantas estrelas! Sempre ao olhar para o céu sentia que havia algo que precisava, que pedia para ser interpretado, lido, mas algo me deixava cega. Talvez a maravilha da criação... e então eu me lembrava de algo que me disseram uma vez: “não há tempo para se maravilhar com as coisas de Deus”. Não sei até que ponto eu concordava com isso, na verdade, acho que nem ao menos concordava, mas era sempre engraçado me lembrar disso.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A hora de cada hora



Gabriela se remexia inquieta em sua cama, não conseguia dormir. Se levantou e foi brincar na sala. Sua mãe, Carla, ainda acordada, se surpreendeu ao ver sua filha ainda acordada, apesar da ordem dada anteriormente.

- Gabriela, eu já lhe disse para ir dormir. Já são 23h! Isso não é hora de uma mocinha como você estar acordada!
- Maaaas mãe!
- Nem mas nem menos!
- Eu não consigo dormir! Você não entende!
- Sente-se aqui, Gabi - ela se sentou no sofá, ao lado de sua mãe - Está vendo aquele relógio? Ele é um relógio mágico!
- Ah é? - os olhos de Gabi brilharam de interesse.
- É sim! Ele mostra as horas e também a hora de cada hora!
- Como assim, mãe?
- Cada lugar que o ponteiro pára indica uma função ou atividade que devemos realizar, como mágica!
- Ainda não entendi!
- Quando o ponteiro maior estiver no número nove significa que é hora de ir para a cama.
- Ah... e se essa mágica não acontecer?
- Ai é que está! A mágica sempre acontece, mesmo quando parece não acontecer! Você não estar na cama agora nos possibilitou ter essa conversa, mas espero que entenda que se um horário não for cumprido, ele atrapalhará todos os outros.
- Eu duvido!
- Veremos!

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quando ela bate à porta



Era uma sexta-feira chuvosa, eu me aquecia com roupas quentes, tomava um bom chá e lia um ótimo livro. Nada poderia mudar isso, até que algo mudou. Alguém bateu à porta. Quem poderia ser naquela hora, com aquela tempestade? Com um leve mau humor saí de minha zona de conforto e fui até a porta, já sentindo o vento gelado. Ao abri-la me deparei com uma figura um tanto peculiar.

Era uma mulher com os cabelos mais negros que eu já vi, ela tinha uma pele dourada, olhos marcantes e estava completamente encharcada. Apesar da insegurança que reina na sociedade atual, não pude deixar de ser solidário e a deixei entrar. Uma completa estranha, em minha casa, no meio de uma tempestade e já tarde da noite. Quem diria que isso atrapalharia minha leitura noturna? Quanto infortúnio! Tentando não pensar no meu livro, que me encarava culposamente em uma mesa próxima, a ofereci toalhas, um casaco e um chá quente. Ao estar devidamente aquecida, nos acomodamos na sala de estar e então julguei ser a hora de cumprir todas aquelas convenções sociais.

domingo, 15 de maio de 2016

Sinto muito!



"Sinto muito. Sinto mesmo!"

Aquela caligrafia bonita, impressa em folha branca, o encarava persistentemente. Como pequenas palavras poderiam guardar tanto significado? Esse é o tipo daquelas perguntas que todos querem saber, mas não fazem ideia da resposta.

Paulo fingia andar despretensiosamente pela sala, mas na verdade aquelas palavras alfinetavam o seu cérebro.
Quão grande pode ser o abismo entre o que é dito e o que é entendido? Ou será que esses pensamentos estavam servindo apenas para aliviar o temor de realmente saber o que tudo aquilo significava?




quinta-feira, 12 de maio de 2016

Eu, você, duas pingas e um Louco

- Muié, qual'é o mistério da vida?
- Vá saber, Homi! A única cois que sei agora é que o dinheiro diminui e as dúvidas aumentam.
- Ah sim! Li algo a respeito nu jornal, ontem. Dizem que é assim que as coisas têm sido. Intāo assim deve de ser...
- Amém!
- Homi?
- Árra! Diga, Muié!
- Ontem tive um sonho estranho.
- Já lhe disse pra num creditá nessas coisas, mas tu do jeito que é...
- Sonhei que eu ia imbora pra longe e que tinha muitos nomes.
- Isso num faz sentido nenhum, Muié! Essa pinga é das ruim é?
- Árra!
- Oia só! O Louco tá bebendo um copo vazio, Muié!
- O copo tá cheio, mas de algo que o sinhô num pode ver! Porque o essencial é invisível aos olhos!
- Mas que cara culto, Homi, respeite o sinhô. Se ele fala assim, com certeza deve de entender das coisas que ele entende!
- Se ocê tá dizendo... eu é que num vô contrariá uma muié com uma pinga na mão!
- Faz bem, seu sinhô! Me diga aqui, sinhô, em título de segredo, por que me chamou Louco?
- Ocê pode prová que num é Louco?
- Não, num posso.
- Todo mundo é louco inté que se prove o contrário!
- Ah, Homi! Ocê é mesmo dos inteligente viu!
- Claro, muié! Sou das meió qualidade. Lembra quando lutei braço a braço com aquelezinho desaforado?
- Árra, Homi, faz tanto tempo! Esquece dessas coisas!
- Num esqueço é nunca!
- Que se passou, sinhô?
- O sinhô Louco há de me intendê quando o assunto é as muié! Antes da muié virar minha Muié, havia um tipozinho dos estranho, que veio do vilarejo vizinho e se dizia doutô. Num é que ele cismou que a muié seria Muié dele? Árra! Entramo-nos numa das luta corporal e arranquei-lhe o dente das frente.
- O sinhô há de estar certo! Muié dos otro é pimenta que tanto bate até que fura.
- Deve de ser mesmo... Gostei d'ocê Louco, vou lhe pagar uma pinga das boa, pra encher seu copo que já tá cheio. Pode de ser?
- Árra, Muié! Agora que o sinhô dos Louco já partiu os calcanhá, num é que me pareceu que ele num tinha os dente da frente também? Muié? Árra! Mas essa pinga é das boa mesmo! Muié?
Alguém viu minha Muié?

quinta-feira, 7 de abril de 2016

(In) Cômoda



Arthur lançava o seu olhar mais desanimador para o seu quarto. Não que isso fosse desanimar o quarto, mas até as mobílias pareciam sem ânimo para serem inanimadas. Quantos livros, discos, itens, objetos... tudo aparentemente normal e propositalmente um pouco fora do lugar. Quem olhava aquilo apenas via objetos comuns à muitas pessoas, mas Arthur infelizmente via mais. Engraçado como é possível depositar em objetos valores sentimentais e até culpas! Que culpa o coitado do CD tem? Muitas, pois Arthur culpou o CD por muitas coisas. É tão tranquilizante quando por um momento achamos que transferimos nossa responsabilidade pelas coisas que nos acontecem a alguém ou algo, que não seja a gente. Ufa! Que alívio!

O CD culpado nada falava, nada fazia, apenas ficava inerte, esperando alguma força agir sobre ele. Nem é possível dizer que ele esperava algo, muito menos isso. Ele apenas era. E enquanto isso Arthur pensava se jogaria fora aquele CD ou não. Se jogasse o CD fora, também teria que jogar as roupas, os livros, os discos e muitos outros itens. Qual seria o critério? Isso era trabalhoso demais, então decidiu que encarar tudo aquilo com desânimo era menos trabalhoso do que decidir quais coisas manter consigo. Então se sentou em um canto menos bagunçado da cama e encarou novamente objeto por objeto. Ao encarar cada objeto, foi se lembrando da culpa que havia concedido a cada um deles.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Eu uso óculos!




A sala estava mal iluminada, com móveis escassos e velhos pelo uso. Uma pequena camada de poeira revestia aquele ambiente. Em um canto no chão havia um pedaço de papel amassado, com palavras que ainda desconhecemos. Ao centro havia um espelho e nele um reflexo. O reflexo era de um homem de seus trinta e poucos anos, com barba por fazer, uma marquinha no nariz, entre os olhos, indicando o uso de um óculos. Seu cabelo era abundante, porém estava bastante bagunçado. A expressão daquele homem para seu próprio reflexo era de total indiferença. Ele simplesmente não se reconhecia ali. Como podia ter tanta certeza de si, de seus ideais, mas não se reconhecer em seu próprio reflexo? O que havia de errado?

Tom deixou de encarar seus próprios olhos, tomou um banho e se ajeitou. Não pertencia àquele corpo, não pertencia à lugar algum. Abriu a porta daquele aposento, que os outros se referiam como casa e foi para a rua.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Medusa Epílogo



Fazia frio.

Ou porque estava sem blusa de frio ou porque a temperatura havia caído. Estava só. Afinal, é assim que passamos a vida, apesar de perceber esse fato apenas quando ela está para acabar. 


Tenho vagas lembranças da vida que tive. Um bom emprego, uma boa casa, uma mulher extraordinária e três filhos. Mas agora nada disso importa, nem ao menos lembro o nome deles. 


Vamos inventando sentindo para a vida, mesmo sabendo que ela não tem um (ou tem?). Alimentamos expectativas, cultivamos amizades e criamos objetivos, tudo para esquecer a brevidade e superficialidade disso tudo. 


Passamos a vida procurando passar o maior tempo possível com as pessoas que amamos, acumulando riquezas e nos preocupando com o tal legado. Mas, para quê? Não levamos riquezas para a terra, ela já é cheia delas. Não levamos também as pessoas que amamos. E o legado, como irão se lembrar da gente quando não estivermos mais vivos para rebater as injúrias, é mutável e nem um pouco confiável. É como dizem: “Coitadinho” Está morto, já podemos falar dele”. Vivo ou morto falam bem ou mal de você. 


E quando faz frio, nada disso importa, muito menos se você esqueceu a blusa de frio em casa ou não. Quando faz muito frio seus pelos se arrepiam, seu corpo se retesa, seus sentidos se aguçam, a pressão abaixa e seu corpo tenta manter o calor. Engraçado como quando percebemos que a força nos deixa, a respiração falha e irônica e teimosamente o coração bate mais forte. 


Ah! O coração! O atribuímos tantas funções, tantas culpas, mas que culpa o coitado dele tem? Afinal, que culpa temos? Foi tudo por causa de uma maçã? E quem disse que era mesmo uma maçã? 


Isso também já não importa, pois enquanto falo, se é que falo, minha vida se...

O agora que virá



Na noite quente, a brisa é um presente e enquanto ela toca minha pele, meus pensamentos vão para longe. Viajam no espaço e no tempo, vou para outros lugares e em outros momentos. Momentos que ainda não aconteceram... Como é gostoso e ao mesmo tempo doloroso imaginar o "futuro"! Aqui me refiro ao futuro como o agora que virá e isso inevitavelmente está repleto de desejos, vontades, anseios e receios.

Como curioso e medonho seria se pudéssemos ter apenas um vislumbre desse agora que ainda está para chegar! Mas tudo é constante e inconstante, de forma que tudo muda enquanto eu falo. Tudo isso causa uma sensação de incerteza e talvez de insegurança. Se tudo oscila, que garantia temos que alcançaremos aqueles sonhados objetivos? E mais: e quando esses objetivos dependem de outros fatores e até mesmo de outras pessoas? A nossa liberdade termina onde começa a liberdade alheia (ou ao menos em teoria porque sabemos que na realidade nem sempre é assim).

E então deixo de pensar no futuro e me pego pensando em todas as implicações para a realização ou a não realização de meus objetivos. Apesar de pregarmos a individualidade e autonomia, somos seres dependentes e completamente interligados uns aos outros. Que responsabilidade tem o outro na concretização de meus desejos? Reformulando: que responsabilidade atribuo ao outro para realização de meus desejos?

(...)

quarta-feira, 9 de março de 2016

Medusa III




Casamos.

Medusa e eu nos casamos. Isso significa que interpretei corretamente a resposta do pedido que havia feito há tanto tempo. Sim, leitor, agora já estamos juntos há nove anos. Nesse tempo muita coisa aconteceu, nossa vida foi mudando, nossos pensamentos também, como seria de se esperar. Mas não se engane com a banalidade dos relacionamentos, pois alguns deles nada tem de banal. 

Chega um momento na nossa vida (eles chegam várias vezes, em vários momentos, por sinal) que sentimos que falta algo. Mas o que poderia estar faltando? Tinha a casa, a mulher e o emprego dos meus sonhos. O que mais um homem poderia querer? Eu estava prestes a descobrir e não foi tão fácil assim de aceitar isso. O que me faltava. Às vezes a gente demora para cair na realidade, eu apenas não poderia demorar demais. Esse tipo de coisa pode causar estragos que marcam as pessoas e podem deixar cicatrizes, bem tênues e tímidas, no fundo da alma, se é que ela existe. Acho que no fundo tudo isso é medo. Mas vamos por partes. 

sexta-feira, 4 de março de 2016

Memórias de um amador

Este é o primeiro relato que farei. Meu nome é Heitor, tenho um allstar preto e velho companheiro, minha blusa vermelha favorita, muitos fios na cabeça, algumas décadas na mochila e muita história para contar. Primeiramente vou explicar o título deste relato. Memórias, pois vou narrar fatos ocorridos. Agora vem a parte difícil: amador. Segue a explicação do dicionário: 

1. Que ou o que ama: amante. 
2. O que, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte. 
3. Apreciador. 

Acho que a palavra foi mais ou menos bem descrita, eu apenas acrescentaria um quarto significado: 4. O que ou quem ama dor. 


Enfim, sou um amador em todas as concepções da palavra. Um pouco mais em umas do que em outras, mas ainda assim amador. Este meu primeiro relato irá mostrar como conheci o ser mais sábio que já tive notícia, Erik, o gato de uma senhorinha de quase um século e nenhuma papa na língua. 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Quando o nosso destino é escrito e o corretor do Word nos atraaphla



Era terça-feira de manhã nebulosa e chuvosa quando a nossa história começou. O nome dele é Josisvaldo. Era adulto por fora, meio calvo por cima e meio largo dos lados. Na verdade, o nome dele era Josivaldo, mas quando a mãe dele foi tentar escrever o nome no Word, o corretor ortográfico piscou irritantemente aquele sublinhado vermelho. Então ela tirou um s e ficou Josivaldo. Então a mãe e o corretor ortográfico do Word ficaram felizes, menos o Josivaldo, que revoltado como só ele, dizia pra todo mundo que seu nome tinha um s, aquele mesmo que a mãe dele tirou. 

Voltando para onde e quando nossa história começa... Ah sim! Josisvaldo era adulto por fora, meio calvo por cima e meio largo dos lados. Tinha um emprego mais ou menos, uma casa mais pra lá do que pra cá e um sorriso de lado. Seus amigos eram escassos e esquecidos. Na casa de Josisvaldo havia um anão de jardim que sempre aparecia lá misteriosamente, mesmo depois de ser retirado, triturado, quebrado e jogado no lixo. Nada disso adiantava, pois no dia seguinte lá estava o anão de jardim, e ele se chamava Noberto. 

quarta-feira, 2 de março de 2016

Medusa II

França.
Para você que conhece a minha história sabe que é lá que a primeira parte termina e uma longa jornada começa. Sabe quando conquistamos algo tão sonhado e achamos que atingimos o ápice da felicidade? Estamos completamente enganados. A felicidade “maior” não existe, pois se existisse e fosse alcançada, nossa vida perderia o sentido. Porque o sentido mais plausível (encontrado até hoje) para vida é a eterna busca da felicidade, contínua e satisfatória.
Aposto que você pensou que quando conquistei o coração da minha Medusa, estava feito, com a vida pronta. Você não poderia estar mais enganado em toda sua vida, caro leitor. O meu desafio estava apenas começando...
O primeiro problema era o país. Os franceses são tão... franceses... Acho que isso explica muita coisa. Ficamos lá por três meses, que foi o tempo que ela levou para resolver os tais assuntos. Partimos logo em seguida de volta para casa.

Meu irmão gêmeo do mal e o pior dia dos namorados do mundo

Meu nome é Fred, eu tenho uma irmã que se chama Lúcia e um irmão gêmeo que se chama Jorge. Meu pai se chama Leo e minha mãe - Lúcia, tira esse chulé de cima do meu Playstation! - enfim, essa é a minha família.

Ser filho não é fácil, ser irmão muito menos. Ainda mais quando se tem uma irmã mais velha e um irmão gêmeo irritantantemente lindo. Minha infância foi fácil como uma brisa de outono - essa parte poética eu puxei do meu pai - Minha mãe sempre me incitava a fazer novas descobertas e meu pai morria de medo que alguma coisa acontecesse comigo. Como as crianças tem uma espécie de sorte divina, nada de muito grave aconteceu comigo.

Como eu deixei implícito mais acima, ter uma irmã mais velha é muito chato às vezes. Ela se acha uma segunda mãe, acha que sabe de tudo, mexe em tudo e quer sempre se intrometer na minha vida. Sem falar que a partir de certa idade, ter uma irmã (independente se ela é mais velha ou não) fica bastante problemático. Porque hora ou outra, ela irá chamar atenção de certos caras. E ei, eu sou um cara! E pensar nesses problemas me deixa com dor de cabeça!

Jorge, meu irmão gêmeo do mal, não ganhou esse apelido à toa. Está certo que eu não sou lá aquelas coisas... mas um gêmeo tinha que ser o mal, certo? Sabe aquela desculpa clássica "Meu cachorro comeu meu dever de casa?" Pois é! Um dia eu disse para a professora que meu irmão comeu meu dever de casa e o resultado? Eu fiquei de castigo! Eu! E não ele! Dá para acreditar? E ei, realmente o Jorge havia comido o meu dever de casa. Coisa de gente louca. Minha mãe diz que é normal, que é coisa da idade, mas eu acho que essa loucura não passa nunca. Apenas espero que não seja genético.

Você deve estar se perguntando o porquê do "pior dia dos namorados do mundo" ali no título logo acima. Pois bem, não devia ter perguntado!

Tinha uma menina na minha turma e ela se chamava Fernanda. Lembre-se que eu falei mais cedo que puxei a parte poética do meu pai. Então... Fernanda era simples e sorridente, tinha cabelos de nuvem e hálito de chiclete de morango. Toda vez que eu a via, sentia uma dor de dente no estômago e ela achava que eu tinha sérios problemas intestinais.

Na hora do recreio eu sempre tentava uma forma de ficar sozinho com ela, mas as amigas dela não saiam de perto, nem na hora de ir ao banheiro! Por que é que as mulheres sempre vão ao banheiro em bando? A encanação vai dar em Nárnia ou algo do tipo? Vai saber!

Um dia perguntei ao meu pai por que os adultos são tão sérios e ele me disse que a névoa da juventude cobria os meus olhos e que quando o tempo fosse passando, as coisas de modo geral ficariam mais claras. E que nem todos gostavam do que passavam a ver. Fiquei meio confuso com essa explicação, mas achei melhor assim. Não precisamos entender tudo nessa vida.

Em um belo dia, resolvi ter outra conversa com meu pai.

- Pai, como você conheceu minha mãe?

- Em uma bela noite de terça-feira, em uma biblioteca empoeirada e sem boa iluminação.

- Pai, eu quero a história completa. Sem cortes. - nessa última parte meu pai me lançou um olhar de censura e me arrependi de ter dito isso. Ele me contou a história toda, pelo menos as partes essenciais.

- Poxa, pai, eu sabia que as mulheres eram complicadas, mas a mãe não facilitou nada pra você, hein!

- Pois é, filho. E eu também não era lá um Dom Juan. Até hoje fico surpreso pela minha ousadia de ter ido falar com a sua mãe naquele dia, na biblioteca.

- Ainda bem que você foi, né! Senão eu não estaria aqui!

- Pois é!

- Obrigado, pai, estou indo nessa!

- Até! Ei! Espera aí!

- Fica pra próxima!

Depois dessa conversa superprodutiva, fui conversar com minha mãe. Afinal de contas, ela é mulher.

- Mãe...

- Oi, Fred, suas roupas estão no armário, na parte superior esquerda. Sua tia Antônia ligou e queria saber o que você gostaria ganhar de aniversário e o Pedrinho vai vir às 15h para vocês jogarem aquele jogo nada educativo Gof of Ar. 

- Mãe, espera, eu preciso falar com você.

- Olha, se for para saber mais sobre o universo feminino, entenda de uma vez por todas que você não vai entender nada nunca.

- Mas mãe!

- E essa tal de Fernanda que você está interessado...

- Como você sabe disso? - eu estava perplexo e de repente senti que estava corando.

- Eu sou mãe e mulher! E entenda uma coisa: as mães sempre sabem das coisas e as mulheres sempre correm atrás das informações. E não me olhe com essa cara de censura.

Então ela pegou nas minhas mãos e nos sentamos. Ela olhou fundo nos meus olhos e disse:

- Fred, os meninos na sua idade se acham incríveis e as meninas na sua idade acham os meninos idiotas. Então, se ache menos e seja menos idiota, que aí sim, talvez, ela vai te dar uma chance. Mas nada de exageros e nem finja ser uma coisa que não é. Eles sempre fazem isso e isso sempre dá errado. Aja com naturalidade, mas nem tanto. Não vá sair tirando meleca perto dela, pelo amor de Deus. E mais uma coisa, você não é adulto, ainda. Então não finja ser um. Isso deixaria ela entediada, mesmo que ela não diga ou demonstre.

- Nossa, mãe, esse tanto de informação me deixou tonto!

- É claro, por isso que eu disse que você não devia nem tentar entender. E os homens não conseguem processar ou entender todo esse tipo de coisa. Assim como nós, mulheres, também nunca iremos entender certo tipo de coisa. LEO, TIRA ESSA MEIA SUJA DO SOFÁ!

Depois que meu pai chamou a atenção da minha mãe, sujando o sofá, fui refletir sobre tudo o que havia aprendido.

Meu aniversário foi em maio. Foi horrível. Mas como esse texto não é sobre o pior aniversário de todos os tempos, vou pular esse triste e lastimável momento da vida (com flashes, abraços apertados de tias solteironas, xixi de cachorro e meleca do Jorge) e vou pra parte que interessa: o mês seguinte, mês dos namorados.

Achei que não haveria data melhor para me declarar para a Fernanda. Eu estava seguindo as dicas dos meus pais e estava me dando muito bem, estava superconfiante.

A data tão esperada chegou. Pensei em um milhão de maneiras para me declarar, mas no final, foi tudo improviso. Na escola teve correio elegante, maçã do amor e muitas meninas recebendo flores e chocolates. Muitos casaizinhos tirando selfies, mas cá entre nós, eu prefiro as coisas do modo antigo.

Chamei Fernanda, a tirando do grupinho de amigas que liam cartões e davam risadinhas irritantes.

- Fernanda, eu não trouxe flores, nem chocolate, nem recadinhos do correio elegante. Porque o que eu tenho pra te dizer é simples como a tabuada de multiplicação (eu era ótimo em matemática). Eu gosto de você, assim do jeito que você é.

- Tá.

TÁ. TÁ? Acredita que foi isso o que ela disse???

- E?

- E o quê?

- E eu quero que você seja a minha namorada.

Nesse momento, Jorge chegou com um milhão de flores, doces e cartões vermelhos com mensagens de amor, e tudo isso para entregar para quem? Para a Fernanda!

O nosso olhar de ódio foi mútuo e nesse segundo eu tive a certeza de que iria quebrar o nariz do meu irmão.

O que se passou a seguir foi muito rápido e não consegui processar todas as informações. Jorge veio para cima de mim, dei um soco no nariz dele, ele deu um soco no meu olho. Caímos na briga. Me lembro de ter visto de relance a Fernanda comendo os chocolates que o Jorge levou e de suas amigas rindo dos bilhetinhos. Depois a diretora, que era super durona, separou a briga e nos levou para a detenção. Sinceramente, eu não estava com medo do castigo, estava com medo da reação da minha mãe e da decepção do meu pai.

Meus pais, sendo muito educados, não falaram nada até chegarmos em casa. Meu pai se descabelou, nos colocou em quinhentos castigos e nos obrigou a nos darmos um abraço (Jorge e eu), essa foi a pior parte. Já minha mãe me lançou um olhar gélido e disse:

- Qual a parte de tentar ser menos idiota você não entendeu? E Jorge, pare de comer meleca! Meu Deus! Acho que o maior castigo vocês já tiveram.

Escutar tudo isso doeu muito, muito mais que o soco no olho. Fiquei de atestado e mais um dia de suspensão.

Acho que esqueci de mencionar que a Fernanda começou a namorar o Jorge. E minha mãe se enganou quando disse que as meninas não gostavam de caras idiotas.

Taí uma coisa que nunca vou entender mesmo: o universo feminino.

P.S.: Semana que vem tenho um encontro marcado com a Paula, amiga da Fernanda, mas estou indo com calma. Estamos nos conhecendo melhor. E eu nem precisei comer meleca para ela aceitar sair comigo! Acho que finalmente estou pegando o jeito da coisa.


O sol da manhã...


O sol da manhã atravessou minha janela e incidiu sobre minha pele dourada, a aquecendo. O mundo gritava e voz alguma saia da minha boca. O ar entrava e saia de meus pulmões e percebi o quanto somos invadidos! Quanta coisa passa pela gente, quanta coisa habita o nosso ser! E quanta coisa deixamos ir... No hoje há vestígios do que passou e ficou, do que passou e se foi. Os olhos mais treinados vêem rastros e pistas em todo lugar. Somos labirintos, mapas, prontos para serem desvendados, analisados. Mas temos medo. Tudo isso é muito invasivo.



Olhando pela janela, vi um pássaro sem nome, sem voz, sem rosto. Quantos querem ser pássaros! E quantos desses tem medo da altura? E desses ainda, quantos tem medo da queda? Nunca quis ser pássaro. Já quis ser estrela e ser peixe. Ser peixe para nadar na imensidão do mar e navegar pelo segundo céu, refletido naquelas águas.  Às vezes queremos ser tanta coisa, ter tanta coisa, que nos esquecemos de quem realmente somos e do que realmente temos. Sou eu mesma e tenho a mim mesma. E o que muitos acham aterrorizante nisso tudo, é que não somos produtos feitos, tudo pode mudar, a qualquer hora. Isso é assustador, porque pode-se esperar qualquer coisa e o que não conhecemos nos assusta. Em contrapartida ainda assim as pessoas preferem viver no medo, no não-conhecimento, porque a ignorância grita por aí ser uma bênção. Abençoado seja! O mundo está cheio de bênçãos! 


E nada disso importa ao raio de sol que toca a minha pela dourada, ou ao céu que irradia sua grandeza lá em cima, ou a estrela magnífica na noite estrelada, ou ao peixe que eu tanto quis ser.