quinta-feira, 7 de abril de 2016

(In) Cômoda



Arthur lançava o seu olhar mais desanimador para o seu quarto. Não que isso fosse desanimar o quarto, mas até as mobílias pareciam sem ânimo para serem inanimadas. Quantos livros, discos, itens, objetos... tudo aparentemente normal e propositalmente um pouco fora do lugar. Quem olhava aquilo apenas via objetos comuns à muitas pessoas, mas Arthur infelizmente via mais. Engraçado como é possível depositar em objetos valores sentimentais e até culpas! Que culpa o coitado do CD tem? Muitas, pois Arthur culpou o CD por muitas coisas. É tão tranquilizante quando por um momento achamos que transferimos nossa responsabilidade pelas coisas que nos acontecem a alguém ou algo, que não seja a gente. Ufa! Que alívio!

O CD culpado nada falava, nada fazia, apenas ficava inerte, esperando alguma força agir sobre ele. Nem é possível dizer que ele esperava algo, muito menos isso. Ele apenas era. E enquanto isso Arthur pensava se jogaria fora aquele CD ou não. Se jogasse o CD fora, também teria que jogar as roupas, os livros, os discos e muitos outros itens. Qual seria o critério? Isso era trabalhoso demais, então decidiu que encarar tudo aquilo com desânimo era menos trabalhoso do que decidir quais coisas manter consigo. Então se sentou em um canto menos bagunçado da cama e encarou novamente objeto por objeto. Ao encarar cada objeto, foi se lembrando da culpa que havia concedido a cada um deles.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Eu uso óculos!




A sala estava mal iluminada, com móveis escassos e velhos pelo uso. Uma pequena camada de poeira revestia aquele ambiente. Em um canto no chão havia um pedaço de papel amassado, com palavras que ainda desconhecemos. Ao centro havia um espelho e nele um reflexo. O reflexo era de um homem de seus trinta e poucos anos, com barba por fazer, uma marquinha no nariz, entre os olhos, indicando o uso de um óculos. Seu cabelo era abundante, porém estava bastante bagunçado. A expressão daquele homem para seu próprio reflexo era de total indiferença. Ele simplesmente não se reconhecia ali. Como podia ter tanta certeza de si, de seus ideais, mas não se reconhecer em seu próprio reflexo? O que havia de errado?

Tom deixou de encarar seus próprios olhos, tomou um banho e se ajeitou. Não pertencia àquele corpo, não pertencia à lugar algum. Abriu a porta daquele aposento, que os outros se referiam como casa e foi para a rua.