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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A pedra na minha água




Naquela terça (ou seria quarta?) eu encarava um gorrinho de um papai Noel e me teletransportava para um passado um tanto distante. Acredito que a passagem dessa viagem louca foram algumas palavras que saltaram aos meus olhos. Elas pareciam aleatoriamente organizadas em vários poemas, mas aqueles poemas não me enganavam. Como é possível alguém usar tantas palavras diferentes em cada um daqueles poemas, mas ainda assim todos falarem da mesma coisa? É... quando algum desejo está vivo em nós ele fica presente em tudo que fazemos e falamos, mas para a sorte de todos, poucas pessoas conseguem notar isso.

Aqueles poemas escritos em um velho papel me transportaram a um passado distante... então me vi perguntando a mim mesma como podem duas pessoas com tanta intimidade terem tamanha distância no entendimento de seus diálogos? Eu estava sentada em um sofá, arrumada para passar mais um natal na sala, assistindo ao Roberto Carlos. O homem que eu amava estava logo ali, cantando canções e rindo como uma criança. E eu estava absorta nesses pensamentos, pois há poucos minutos (naquele passado) havia descoberto que todos aqueles anos que eu pensava ter sido uma companheira exemplar, eu simplesmente não havia atingido as expectativas daquele homem. Eu não era nada do que ele esperava que eu fosse. Enquanto na contramão, ele era muito do que eu esperava (não cem por cento, mas uns oitenta talvez).

Imagine então como você, leitor, se sentiria no meu lugar. Por anos achei que cumpri à risca o meu papel e estava bem satisfeita com isso. Então, ao começar a sentir certo incômodo na distância que começou a ser criada entre nós, eu o indaguei até que ele resolveu falar. E quando ele falou, todo o mundo que eu havia construído em minha mente se desabou. Como eu não pude perceber? Como ele pode não me falar por todos aqueles anos?

Por que para algumas pessoas é tão mais fácil viver anos insatisfeito com algo até que a situação fique insuportável ao invés de dialogar e expor aquilo que precisa ser melhorado? Por que um diálogo causa tanto incômodo e por que alguém se sabotaria a esse nível? A ausência do diálogo pode tornar impossível a solução ou o entendimento de alguma situação.

São tantas perguntas... a questão é que escrever novos poemas sobre velhos fatos não muda nada! “Aquilo que não se resolveu a tempo perdeu sua validade”. E eu naquele sofá também estava vencida. As minhas opções haviam se esgotado. Ou eu ignorava tudo aquilo e continuava vivendo uma mentira ou me libertava, o libertava e partia para outra vida em uma galáxia muito distante.

Não é preciso escrever o desfecho dessa história.

Voltando para a terça (ou quarta) no presente, eu me via novamente sentada em um sofá (outro sofá) passando por outro Natal, esperando pelo especial do Roberto Carlos enquanto observava o homem que eu tanto amava ali na minha frente, cantando de forma bem animada, parecendo uma criança... “Eu tenho tanto para lhe falar, mas com palavras não sei dizer”... Ele olhou para mim e então eu soube o que ele diria a seguir. E te garanto, caro leitor, que não seria “como é grande o meu amor por você”. Te garanto...

Mas não é preciso escrever o desfecho dessa história.


quinta-feira, 21 de julho de 2016

Tal pai, tal filho?

Às vezes tudo o que eu queria era dar uma pausa da vida corrida e da rotina louca em que estava. Eu trabalhava de 8h às 20h, todos os dias, e ao chegar em casa ainda recebia telefonemas e e-mails com coisas aparentemente extremamente importantes e que precisavam de uma solução imediata.

Aos finais de semana eu limpava minha casa, saia para passear com os meus gatos e os cachorros (sim, meus gatos passeavam junto com os cachorros), escutava música, passava algum tempo na internet e o melhor de tudo, tocava meu piano. Na verdade, era o piano de minha mãe, o recebi de presente assim que me mudei para minha própria casa.

Todos os amigos da família dizem que meus irmãos, Fred e Jorge são a cara do meu pai e que eu sou a cara da minha mãe. No começo eu não gostava muito disso, as pessoas estão sempre dizendo que nos parecemos fisicamente com fulano, que temos o temperamento de ciclano e que somos bons em música como o beltrano. Parece uma tentativa meio frustrada de nos identificar, dando a ideia de que se somos assim, somos porque o fulano também é.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da terra ao céu



Numa entediante noite de julho, em que aparentemente nada de novo aconteceria, recebi uma mensagem. Um amigo distante estava na cidade e gostaria de me encontrar. Fazia tempo que não mantínhamos contato, mas era aquele tipo de amizade que apesar de ficar muito tempo sem ter contato com a pessoa, quando o reencontro acontece, parece que nada mudou e tudo flui naturalmente.

É preciso dizer que hesitei bastante a respeito desse encontro, mas como não havia nenhuma previsão mais agradável para a noite, resolvi ignorar minha intuição e fui no local e na hora combinada.

A lua estava bem bonita e o céu bem estrelado. Quantas estrelas! Sempre ao olhar para o céu sentia que havia algo que precisava, que pedia para ser interpretado, lido, mas algo me deixava cega. Talvez a maravilha da criação... e então eu me lembrava de algo que me disseram uma vez: “não há tempo para se maravilhar com as coisas de Deus”. Não sei até que ponto eu concordava com isso, na verdade, acho que nem ao menos concordava, mas era sempre engraçado me lembrar disso.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quando ela bate à porta



Era uma sexta-feira chuvosa, eu me aquecia com roupas quentes, tomava um bom chá e lia um ótimo livro. Nada poderia mudar isso, até que algo mudou. Alguém bateu à porta. Quem poderia ser naquela hora, com aquela tempestade? Com um leve mau humor saí de minha zona de conforto e fui até a porta, já sentindo o vento gelado. Ao abri-la me deparei com uma figura um tanto peculiar.

Era uma mulher com os cabelos mais negros que eu já vi, ela tinha uma pele dourada, olhos marcantes e estava completamente encharcada. Apesar da insegurança que reina na sociedade atual, não pude deixar de ser solidário e a deixei entrar. Uma completa estranha, em minha casa, no meio de uma tempestade e já tarde da noite. Quem diria que isso atrapalharia minha leitura noturna? Quanto infortúnio! Tentando não pensar no meu livro, que me encarava culposamente em uma mesa próxima, a ofereci toalhas, um casaco e um chá quente. Ao estar devidamente aquecida, nos acomodamos na sala de estar e então julguei ser a hora de cumprir todas aquelas convenções sociais.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Eu uso óculos!




A sala estava mal iluminada, com móveis escassos e velhos pelo uso. Uma pequena camada de poeira revestia aquele ambiente. Em um canto no chão havia um pedaço de papel amassado, com palavras que ainda desconhecemos. Ao centro havia um espelho e nele um reflexo. O reflexo era de um homem de seus trinta e poucos anos, com barba por fazer, uma marquinha no nariz, entre os olhos, indicando o uso de um óculos. Seu cabelo era abundante, porém estava bastante bagunçado. A expressão daquele homem para seu próprio reflexo era de total indiferença. Ele simplesmente não se reconhecia ali. Como podia ter tanta certeza de si, de seus ideais, mas não se reconhecer em seu próprio reflexo? O que havia de errado?

Tom deixou de encarar seus próprios olhos, tomou um banho e se ajeitou. Não pertencia àquele corpo, não pertencia à lugar algum. Abriu a porta daquele aposento, que os outros se referiam como casa e foi para a rua.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Medusa Epílogo



Fazia frio.

Ou porque estava sem blusa de frio ou porque a temperatura havia caído. Estava só. Afinal, é assim que passamos a vida, apesar de perceber esse fato apenas quando ela está para acabar. 


Tenho vagas lembranças da vida que tive. Um bom emprego, uma boa casa, uma mulher extraordinária e três filhos. Mas agora nada disso importa, nem ao menos lembro o nome deles. 


Vamos inventando sentindo para a vida, mesmo sabendo que ela não tem um (ou tem?). Alimentamos expectativas, cultivamos amizades e criamos objetivos, tudo para esquecer a brevidade e superficialidade disso tudo. 


Passamos a vida procurando passar o maior tempo possível com as pessoas que amamos, acumulando riquezas e nos preocupando com o tal legado. Mas, para quê? Não levamos riquezas para a terra, ela já é cheia delas. Não levamos também as pessoas que amamos. E o legado, como irão se lembrar da gente quando não estivermos mais vivos para rebater as injúrias, é mutável e nem um pouco confiável. É como dizem: “Coitadinho” Está morto, já podemos falar dele”. Vivo ou morto falam bem ou mal de você. 


E quando faz frio, nada disso importa, muito menos se você esqueceu a blusa de frio em casa ou não. Quando faz muito frio seus pelos se arrepiam, seu corpo se retesa, seus sentidos se aguçam, a pressão abaixa e seu corpo tenta manter o calor. Engraçado como quando percebemos que a força nos deixa, a respiração falha e irônica e teimosamente o coração bate mais forte. 


Ah! O coração! O atribuímos tantas funções, tantas culpas, mas que culpa o coitado dele tem? Afinal, que culpa temos? Foi tudo por causa de uma maçã? E quem disse que era mesmo uma maçã? 


Isso também já não importa, pois enquanto falo, se é que falo, minha vida se...

quarta-feira, 9 de março de 2016

Medusa III




Casamos.

Medusa e eu nos casamos. Isso significa que interpretei corretamente a resposta do pedido que havia feito há tanto tempo. Sim, leitor, agora já estamos juntos há nove anos. Nesse tempo muita coisa aconteceu, nossa vida foi mudando, nossos pensamentos também, como seria de se esperar. Mas não se engane com a banalidade dos relacionamentos, pois alguns deles nada tem de banal. 

Chega um momento na nossa vida (eles chegam várias vezes, em vários momentos, por sinal) que sentimos que falta algo. Mas o que poderia estar faltando? Tinha a casa, a mulher e o emprego dos meus sonhos. O que mais um homem poderia querer? Eu estava prestes a descobrir e não foi tão fácil assim de aceitar isso. O que me faltava. Às vezes a gente demora para cair na realidade, eu apenas não poderia demorar demais. Esse tipo de coisa pode causar estragos que marcam as pessoas e podem deixar cicatrizes, bem tênues e tímidas, no fundo da alma, se é que ela existe. Acho que no fundo tudo isso é medo. Mas vamos por partes. 

sexta-feira, 4 de março de 2016

Memórias de um amador

Este é o primeiro relato que farei. Meu nome é Heitor, tenho um allstar preto e velho companheiro, minha blusa vermelha favorita, muitos fios na cabeça, algumas décadas na mochila e muita história para contar. Primeiramente vou explicar o título deste relato. Memórias, pois vou narrar fatos ocorridos. Agora vem a parte difícil: amador. Segue a explicação do dicionário: 

1. Que ou o que ama: amante. 
2. O que, por gosto e não por profissão, exerce qualquer ofício ou arte. 
3. Apreciador. 

Acho que a palavra foi mais ou menos bem descrita, eu apenas acrescentaria um quarto significado: 4. O que ou quem ama dor. 


Enfim, sou um amador em todas as concepções da palavra. Um pouco mais em umas do que em outras, mas ainda assim amador. Este meu primeiro relato irá mostrar como conheci o ser mais sábio que já tive notícia, Erik, o gato de uma senhorinha de quase um século e nenhuma papa na língua. 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Quando o nosso destino é escrito e o corretor do Word nos atraaphla



Era terça-feira de manhã nebulosa e chuvosa quando a nossa história começou. O nome dele é Josisvaldo. Era adulto por fora, meio calvo por cima e meio largo dos lados. Na verdade, o nome dele era Josivaldo, mas quando a mãe dele foi tentar escrever o nome no Word, o corretor ortográfico piscou irritantemente aquele sublinhado vermelho. Então ela tirou um s e ficou Josivaldo. Então a mãe e o corretor ortográfico do Word ficaram felizes, menos o Josivaldo, que revoltado como só ele, dizia pra todo mundo que seu nome tinha um s, aquele mesmo que a mãe dele tirou. 

Voltando para onde e quando nossa história começa... Ah sim! Josisvaldo era adulto por fora, meio calvo por cima e meio largo dos lados. Tinha um emprego mais ou menos, uma casa mais pra lá do que pra cá e um sorriso de lado. Seus amigos eram escassos e esquecidos. Na casa de Josisvaldo havia um anão de jardim que sempre aparecia lá misteriosamente, mesmo depois de ser retirado, triturado, quebrado e jogado no lixo. Nada disso adiantava, pois no dia seguinte lá estava o anão de jardim, e ele se chamava Noberto. 

quarta-feira, 2 de março de 2016

Medusa II

França.
Para você que conhece a minha história sabe que é lá que a primeira parte termina e uma longa jornada começa. Sabe quando conquistamos algo tão sonhado e achamos que atingimos o ápice da felicidade? Estamos completamente enganados. A felicidade “maior” não existe, pois se existisse e fosse alcançada, nossa vida perderia o sentido. Porque o sentido mais plausível (encontrado até hoje) para vida é a eterna busca da felicidade, contínua e satisfatória.
Aposto que você pensou que quando conquistei o coração da minha Medusa, estava feito, com a vida pronta. Você não poderia estar mais enganado em toda sua vida, caro leitor. O meu desafio estava apenas começando...
O primeiro problema era o país. Os franceses são tão... franceses... Acho que isso explica muita coisa. Ficamos lá por três meses, que foi o tempo que ela levou para resolver os tais assuntos. Partimos logo em seguida de volta para casa.

Meu irmão gêmeo do mal e o pior dia dos namorados do mundo

Meu nome é Fred, eu tenho uma irmã que se chama Lúcia e um irmão gêmeo que se chama Jorge. Meu pai se chama Leo e minha mãe - Lúcia, tira esse chulé de cima do meu Playstation! - enfim, essa é a minha família.

Ser filho não é fácil, ser irmão muito menos. Ainda mais quando se tem uma irmã mais velha e um irmão gêmeo irritantantemente lindo. Minha infância foi fácil como uma brisa de outono - essa parte poética eu puxei do meu pai - Minha mãe sempre me incitava a fazer novas descobertas e meu pai morria de medo que alguma coisa acontecesse comigo. Como as crianças tem uma espécie de sorte divina, nada de muito grave aconteceu comigo.

Como eu deixei implícito mais acima, ter uma irmã mais velha é muito chato às vezes. Ela se acha uma segunda mãe, acha que sabe de tudo, mexe em tudo e quer sempre se intrometer na minha vida. Sem falar que a partir de certa idade, ter uma irmã (independente se ela é mais velha ou não) fica bastante problemático. Porque hora ou outra, ela irá chamar atenção de certos caras. E ei, eu sou um cara! E pensar nesses problemas me deixa com dor de cabeça!

Jorge, meu irmão gêmeo do mal, não ganhou esse apelido à toa. Está certo que eu não sou lá aquelas coisas... mas um gêmeo tinha que ser o mal, certo? Sabe aquela desculpa clássica "Meu cachorro comeu meu dever de casa?" Pois é! Um dia eu disse para a professora que meu irmão comeu meu dever de casa e o resultado? Eu fiquei de castigo! Eu! E não ele! Dá para acreditar? E ei, realmente o Jorge havia comido o meu dever de casa. Coisa de gente louca. Minha mãe diz que é normal, que é coisa da idade, mas eu acho que essa loucura não passa nunca. Apenas espero que não seja genético.

Você deve estar se perguntando o porquê do "pior dia dos namorados do mundo" ali no título logo acima. Pois bem, não devia ter perguntado!

Tinha uma menina na minha turma e ela se chamava Fernanda. Lembre-se que eu falei mais cedo que puxei a parte poética do meu pai. Então... Fernanda era simples e sorridente, tinha cabelos de nuvem e hálito de chiclete de morango. Toda vez que eu a via, sentia uma dor de dente no estômago e ela achava que eu tinha sérios problemas intestinais.

Na hora do recreio eu sempre tentava uma forma de ficar sozinho com ela, mas as amigas dela não saiam de perto, nem na hora de ir ao banheiro! Por que é que as mulheres sempre vão ao banheiro em bando? A encanação vai dar em Nárnia ou algo do tipo? Vai saber!

Um dia perguntei ao meu pai por que os adultos são tão sérios e ele me disse que a névoa da juventude cobria os meus olhos e que quando o tempo fosse passando, as coisas de modo geral ficariam mais claras. E que nem todos gostavam do que passavam a ver. Fiquei meio confuso com essa explicação, mas achei melhor assim. Não precisamos entender tudo nessa vida.

Em um belo dia, resolvi ter outra conversa com meu pai.

- Pai, como você conheceu minha mãe?

- Em uma bela noite de terça-feira, em uma biblioteca empoeirada e sem boa iluminação.

- Pai, eu quero a história completa. Sem cortes. - nessa última parte meu pai me lançou um olhar de censura e me arrependi de ter dito isso. Ele me contou a história toda, pelo menos as partes essenciais.

- Poxa, pai, eu sabia que as mulheres eram complicadas, mas a mãe não facilitou nada pra você, hein!

- Pois é, filho. E eu também não era lá um Dom Juan. Até hoje fico surpreso pela minha ousadia de ter ido falar com a sua mãe naquele dia, na biblioteca.

- Ainda bem que você foi, né! Senão eu não estaria aqui!

- Pois é!

- Obrigado, pai, estou indo nessa!

- Até! Ei! Espera aí!

- Fica pra próxima!

Depois dessa conversa superprodutiva, fui conversar com minha mãe. Afinal de contas, ela é mulher.

- Mãe...

- Oi, Fred, suas roupas estão no armário, na parte superior esquerda. Sua tia Antônia ligou e queria saber o que você gostaria ganhar de aniversário e o Pedrinho vai vir às 15h para vocês jogarem aquele jogo nada educativo Gof of Ar. 

- Mãe, espera, eu preciso falar com você.

- Olha, se for para saber mais sobre o universo feminino, entenda de uma vez por todas que você não vai entender nada nunca.

- Mas mãe!

- E essa tal de Fernanda que você está interessado...

- Como você sabe disso? - eu estava perplexo e de repente senti que estava corando.

- Eu sou mãe e mulher! E entenda uma coisa: as mães sempre sabem das coisas e as mulheres sempre correm atrás das informações. E não me olhe com essa cara de censura.

Então ela pegou nas minhas mãos e nos sentamos. Ela olhou fundo nos meus olhos e disse:

- Fred, os meninos na sua idade se acham incríveis e as meninas na sua idade acham os meninos idiotas. Então, se ache menos e seja menos idiota, que aí sim, talvez, ela vai te dar uma chance. Mas nada de exageros e nem finja ser uma coisa que não é. Eles sempre fazem isso e isso sempre dá errado. Aja com naturalidade, mas nem tanto. Não vá sair tirando meleca perto dela, pelo amor de Deus. E mais uma coisa, você não é adulto, ainda. Então não finja ser um. Isso deixaria ela entediada, mesmo que ela não diga ou demonstre.

- Nossa, mãe, esse tanto de informação me deixou tonto!

- É claro, por isso que eu disse que você não devia nem tentar entender. E os homens não conseguem processar ou entender todo esse tipo de coisa. Assim como nós, mulheres, também nunca iremos entender certo tipo de coisa. LEO, TIRA ESSA MEIA SUJA DO SOFÁ!

Depois que meu pai chamou a atenção da minha mãe, sujando o sofá, fui refletir sobre tudo o que havia aprendido.

Meu aniversário foi em maio. Foi horrível. Mas como esse texto não é sobre o pior aniversário de todos os tempos, vou pular esse triste e lastimável momento da vida (com flashes, abraços apertados de tias solteironas, xixi de cachorro e meleca do Jorge) e vou pra parte que interessa: o mês seguinte, mês dos namorados.

Achei que não haveria data melhor para me declarar para a Fernanda. Eu estava seguindo as dicas dos meus pais e estava me dando muito bem, estava superconfiante.

A data tão esperada chegou. Pensei em um milhão de maneiras para me declarar, mas no final, foi tudo improviso. Na escola teve correio elegante, maçã do amor e muitas meninas recebendo flores e chocolates. Muitos casaizinhos tirando selfies, mas cá entre nós, eu prefiro as coisas do modo antigo.

Chamei Fernanda, a tirando do grupinho de amigas que liam cartões e davam risadinhas irritantes.

- Fernanda, eu não trouxe flores, nem chocolate, nem recadinhos do correio elegante. Porque o que eu tenho pra te dizer é simples como a tabuada de multiplicação (eu era ótimo em matemática). Eu gosto de você, assim do jeito que você é.

- Tá.

TÁ. TÁ? Acredita que foi isso o que ela disse???

- E?

- E o quê?

- E eu quero que você seja a minha namorada.

Nesse momento, Jorge chegou com um milhão de flores, doces e cartões vermelhos com mensagens de amor, e tudo isso para entregar para quem? Para a Fernanda!

O nosso olhar de ódio foi mútuo e nesse segundo eu tive a certeza de que iria quebrar o nariz do meu irmão.

O que se passou a seguir foi muito rápido e não consegui processar todas as informações. Jorge veio para cima de mim, dei um soco no nariz dele, ele deu um soco no meu olho. Caímos na briga. Me lembro de ter visto de relance a Fernanda comendo os chocolates que o Jorge levou e de suas amigas rindo dos bilhetinhos. Depois a diretora, que era super durona, separou a briga e nos levou para a detenção. Sinceramente, eu não estava com medo do castigo, estava com medo da reação da minha mãe e da decepção do meu pai.

Meus pais, sendo muito educados, não falaram nada até chegarmos em casa. Meu pai se descabelou, nos colocou em quinhentos castigos e nos obrigou a nos darmos um abraço (Jorge e eu), essa foi a pior parte. Já minha mãe me lançou um olhar gélido e disse:

- Qual a parte de tentar ser menos idiota você não entendeu? E Jorge, pare de comer meleca! Meu Deus! Acho que o maior castigo vocês já tiveram.

Escutar tudo isso doeu muito, muito mais que o soco no olho. Fiquei de atestado e mais um dia de suspensão.

Acho que esqueci de mencionar que a Fernanda começou a namorar o Jorge. E minha mãe se enganou quando disse que as meninas não gostavam de caras idiotas.

Taí uma coisa que nunca vou entender mesmo: o universo feminino.

P.S.: Semana que vem tenho um encontro marcado com a Paula, amiga da Fernanda, mas estou indo com calma. Estamos nos conhecendo melhor. E eu nem precisei comer meleca para ela aceitar sair comigo! Acho que finalmente estou pegando o jeito da coisa.


domingo, 19 de janeiro de 2014

Medusa



Me lembro bem daquele dia...

Estava ofuscado pela luz do sol que arranhava as folhas das árvores, naquele ponto de ônibus. Por algum motivo qualquer o ônibus que eu esperava demorou mais que de costume. Me estressei um pouco, mas logo passou, quando um senhor de seus oitenta e tantos anos e cabelo grisalho me encarou rapidamente com os olhos do século passado. Me peguei sorrindo.

Lá estava ele, o ônibus, nem cheio nem vazio, apenas ele mesmo. Não sei porque, mas senti um mal-estar. Acreditei ser um pré-sentimento, mas talvez fosse apenas o calor.... Poupar-te-ei das reflexões feitas ao longo do caminho naquele transporte público. Enfim, depois de muito sacolejar, o ônibus finalmente me deixou no meu destino.

Entrei na biblioteca e o sininho preso à porta denunciou a minha chegada. Inevitavelmente cumprimentei a moça de cabelos loiros e desgrenhados da recepção, que se autodenominava bibliotecária. Não me lembro do nome dela. Era um nome comum, apesar de ser próprio, isso era certo. Acho que ela me convidou para sair. É certo que nos conhecíamos há dois anos, tempo em que frequento a biblioteca, mas só. Ela nunca passou da moça de cabelos loiros e desgrenhados da recepção que se autodenominava bibliotecária.

Recusei cordialmente o pedido, alegando ter que preparar as aulas dos meus alunos. Ela apenas corou levemente ou então estava gripada. No fim, não importa os meios.

Eu tinha um motivo para ir lá sempre, motivo esse que não era só o grande e maravilhoso acervo de livros. O meu motivo vinha às terças.