sábado, 28 de dezembro de 2013

Milagre



O que é milagre para você? Muitos diriam que milagre é fazer com que os cegos voltem a enxergar e os mudos, a falar. Para outros milagre mesmo é o de natal. E para muitos outros milagres não existem. Mas eu te digo uma coisa: milagres acontecem todos os dias. Não desses que você conhece, mas milagres que muitas vezes nos salvam de sermos pessoas sem esperança.

Um exemplo de milagre é quando acordamos de manhã, fazemos nossos deveres matinais e nos preocupamos com coisas banais, tais como assistir TV e não chegar atrasado no trabalho. Pensamos em coisas como essas, em vez de encarar a difícil realidade, de que existem milhares de formas de morrer assim que passamos pela porta da nossa casa, de que somos menos do que um pontinho, no meio de uma bola gigante, que além de girar em torno de si mesma, gira também em torno de uma bola ainda maior e fumegante, que é o sol.

Ignoramos mais! Ignoramos também que se fôssemos jogados no meio do universo, e olhássemos ao redor, não nos encontraríamos, porque não somos nada. Também não paramos tanto pra pensar no sentido da vida. Que são os princípios mais básicos que você aprendeu na aula de biologia. Nascer, crescer, reproduzir e morrer. Muitas vezes as pessoas nem se lembram disso, que a vida é basicamente isso. E que todo o resto é consequência e caminho para cumprir esses objetivos simples e diretos.

domingo, 1 de setembro de 2013

Alfred, o mordomo



Olá, meu nome é Alfred. E não, não sou um mordomo. Sempre que digo o meu nome me dizem que Alfred é nome de mordomo. Como se Maria fosse nome de cozinheira e Ana fosse nome de mãe. O que é tão absurdo quanto. Escrevo isto, seja lá o que for, para contar um pouco do meu dia para vocês. Não que eu seja orgulhoso e pretensioso o bastante para acreditar que vocês iriam se interessar pelo meu dia, mas simplesmente porque quero! Escrevo porque quero, leia se quiser.


Como alguns de vocês podem ter percebido, não sou homem de muitos amigos. Não porque sou muito arrogante ou porque sou antissocial, mas porque o conceito amizade sofreu muitas alterações com o longo dos anos e com o avanço da tecnologia. Hoje amigos são aqueles que temos adicionados nas redes sociais. E é claro que eu não participo de nenhuma delas.

Enfim, proponho a vocês um desafio: descobrir o que sou até o final do relato desse meu dia.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

In-Feliz-Idade




In-Feliz-Idade
jazia aquela que vivia
tempos de mocidade
mas já não tinha

vento que soprasse
que ao menos balançasse
qualquer vestígio de esperança

que alimentasse a criança
que outrora falara o nome do vento
ela foi levada pelo pai, tempo

e nunca mais se ouviu
palavras de um passado
proferidas pelo aleijado
que nunca mais viu

indícios de mudança
num mundo em que a temperança
mora num saquinho
com prazo de validade

porque a feliz-idade
não está mais disponível
só aqueles de mente aberta
a podem tornar compreensível

in-feliz-idade


segunda-feira, 1 de julho de 2013

A música que te toca

Poucos sabem que nossa vida é escrita em um pentagrama: às vezes, com a clave de sol, aguda demais; às vezes, com a clave de fá, grave demais; e, às vezes, com a clave de dó, nem aguda nem grave demais.

Alguns cantam, uns tocam e outros dançam. E há aqueles que apenas assistem, pois se contentam em serem fabricadores de palmas.

Há aqueles que escrevem sua própria música, mas também há quem não se dá ao trabalho e prefere apenas percorrer caminhos já descobertos.

Há quem tenha um ritmo anacrústico: são aquelas pessoas apressadas. Começam antes mesmo do primeiro compasso! Há aqueles téticos: começam exatamente no início do compasso. E há os acéfalos: aqueles que perdem o tempo... começam depois do primeiro pulso do compasso.

Não podemos nos esquecer das ligaduras, pessoas que adoram prolongar os sons, as coisas. E também há as pausas: quem gosta de apreciar cada momento calmamente, parando de quando em quando, sempre que necessário.

Há também a intenção que existe por trás de cada música: os allegros, alegres demais; e também os Lentos, lentos demais, quase tristes.

Seja como for, cada pessoa faz uma escolha, e várias pessoas juntas podem fazer parte de uma orquestra. O que seria uma bagunça, com tanta mistura e diversidade assim, não fosse pelo regente. A pessoa que fica por trás (na frente) de todo esse comando. O regente marca a pulsação, nos diz qual compasso é aquela música e como deve ser o andamento dela. Indica as entradas dos instrumentos – e das pessoas que os tocam – controla a dinâmica, quando o som cresce e diminui, quando fica leve e forte. O regente, de certa forma, é quem coloca ordem no aparente caos que se forma no encontro de todas aquelas pessoas.

Mas há também quem queira seguir carreira solo, mandar em si mesmo, porque acha que não precisa de um regente para auxiliá-lo ou guiá-lo. Ou simplesmente porque prefere estar só.

A vida é assim, como uma música. Você pode tocá-la sozinho, fazer um dueto, cantar em um coral... seguir carreira solo ou tocar em um grupo. Com sua música você pode alcançar o mundo ou uma alma. Tudo depende de você.

E é sempre importante se fazer a seguinte pergunta:

É você quem toca a música ou é a música que te toca?




segunda-feira, 10 de junho de 2013

Os pensamentos intraduzíveis

É sabido que comboios completos de pensamento atravessam instantaneamente as nossas cabeças, na forma de certos sentimentos, sem tradução para a linguagem humana, menos ainda para uma linguagem literária... porque muitos dos nossos sentimentos, quando traduzidos numa linguagem simples, parecem completamente sem sentido. Essa é a razão pela qual eles nunca chegam a entrar no mundo, no entanto toda a gente os tem.

Fiodor Dostoievski, em 'Uma Anedota Sórdida'

sexta-feira, 17 de maio de 2013

(Dom) Casmurro!




            Mais um dia, mesma rotina. Lá estava eu, acordando e me preparando para sair logo. Não estava bem. Não acho que era por causa da gripe, mas naquele momento era incapaz de sequer supor o motivo do meu mal-estar.
            Tive que correr para não perder o ônibus, mas perdi.
            Frustrada. Acontece.
            Algum tempo depois o próximo ônibus chegou. Entrei. Sentei-me. Esperei. Não sabia o que ou pelo que esperava, mas ainda assim, esperava. Inquietava-me. Então ele entrou.
            A princípio pensei que fosse outra pessoa, mas não... era ele mesmo. E para minha surpresa, ele se sentou no banco em frente ao meu, virando-se para me ver.
            -Oi. – ele disse um ‘oi’ seco, mas hesitante. Como se não soubesse se queria ou não me cumprimentar.
            -Oi. – eu respondi. Um ‘oi’ confuso e ao mesmo tempo tentando parecer o mais despreocupada possível. Não sei se funcionou.

A individualidade do homem (?)

Golconda, René Magritte, 1953.
"Como fica, então, a individualidade diante do peso da herança social? Haveria sempre o risco de o indivíduo perder sua liberdade e autenticidade? Martin Heidegger, filósofo alemão contemporâneo, alerta para o que chama de 'mundo do man': man equivale em português ao pronome reflexivo se ou ao impessoal a gente. Veste-se, com-se, pensa-se, não como cada um gostaria de se vestir, comer ou pensar, mas como a maioria faz. Os sistemas de controle da sociedade aprisionam o indivíduo numa rede aparentemente sem saída."


Fonte: Filosofando, introdução à filosofia. Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Lutar com palavras é a luta mais vã



Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça.


Carlos Drummond de Andrade, em 'Poesia Completa'

Somos irracionais

No meu tempo de escola primária, algumas crédulas e ingenuas pessoas, a quem dávamos o respeitoso nome de mestres, ensinaram-me que o homem, além de ser um animal racional, era, também o único que de tal fortuna se podia gabar. Ora, sendo as primeiras lições aquelas que mais perduram no nosso espírito, ainda que, muitas vezes, ao longo da vida, julguemos tê-las esquecido, vivi durante muitos anos aferrado à crença de que, apesar de umas tantas contrariedades e contradições, esta espécie de que faço parte usava a cabeça como aposento e escritório da razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumentava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razonável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria.
Chegado agora a estes dias, os meus e os do mundo, vejo-me diante de duas probabilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles. Vou-me inclinando cada vez mais para a segunda hipótese, não por ser eu morbidamente propenso a filosofias pessimistas, mas porque o espetáculo do mundo é, em minha fraca opinião, e de todos os pontos de vista, uma demonstração explícita e evidente do que chamo a irracionalidade humana. Vemos o abismo, está aí diante dos olhos, e contudo avançamos para ele como uma multidão de suicidas, com a capital diferença de que, de caminho, nos vamos entretendo a trucidar-nos uns aos outros.

José Saramago, em 'Cadernos de Lanzarote (1993)'

Fernando Pessoa e a Opinião


A nossa crise mental

Que pensa da nossa crise? Dos seus aspectos — político, moral e intelectual?
A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis. Esta frase, como todas que envolvem uma contradição, não envolve contradição nenhuma. Eu explico. Todo o povo se compõe de uma aristocracia e dele mesmo. Como o povo é um, esta aristocracia e este ele mesmo têm uma substância idêntica; manifestam-se, porém, diferentemente. A aristocracia manifesta-se como indivíduos, incluindo alguns indivíduos amadores; o povo revela-se como todo ele um indivíduo só. Só coletivamente é que o povo não é coletivo.
O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo. Ora ser tudo em um indivíduo é ser tudo; ser tudo em uma coletividade é cada um dos indivíduos não ser nada. Quando a atmosfera da civilização é cosmopolita, como na Renascença, o português pode ser português, pode portanto ser indivíduo, pode portanto ter aristocracia. Quando a atmosfera da civilização não é cosmopolita — como no tempo entre o fim da Renascença e o princípio, em que estamos, de uma Renascença nova — o português deixa de poder respirar individualmente. Passa a ser só portugueses. Passa a não poder ter aristocracia. Passa a não passar. (Garanto-lhe que estas frases têm uma matemática íntima).
Ora um povo sem aristocracia não pode ser civilizado. A civilização, porém, não perdoa. Por isso esse povo civiliza-se com o que pode arranjar, que é o seu conjunto. E como o seu conjunto é individualmente nada, passa a ser tradicionalista e a imitar o estrangeiro, que são as duas maneiras de não ser nada. É claro que o português, com a sua tendência para ser tudo, forçosamente havia de ser nada de todas as maneiras possíveis. Foi neste vácuo de si-próprio que o português abusou de civilizar-se. Está nisto, como lhe disse, a essência da nossa crise.
As nossas crises particulares procedem desta crise geral. A nossa crise política é o sermos governados por uma maioria que não há. A nossa crise moral é que desde 1580 — fim da Renascença em nós e de nós na Renascença — deixou de haver indivíduos em Portugal para haver só portugueses. Por isso mesmo acabaram os portugueses nessa ocasião. Foi então que começou o português à antiga portuguesa, que é mais moderno que o português e é o resultado de estarem interrompidos os portugueses. A nossa crise intelectual é simplesmente o não termos consciência disto.
Respondi, creio, à sua pergunta. Se V. reparar bem para o que lhe disse, verá que tem um sentido. Qual, não me compete a mim dizer.

Fernando Pessoa, em 'Portugal entre Passado e Futuro'

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Fuga


O músico procura
Fixar em cada verso
O cântico disperso
Na luz, na água e no vento.

Porém, luz, vento e água
Variam riso e mágoa,
De momento a momento.

E em vão a área dos dedos
Se eleva! Não traduz
Os súbitos segredos
Escondidos no vento,
Nas águas e na luz...

Pedro Homem de Mello, in "Segredo"

sexta-feira, 15 de março de 2013

Sentido

Sentido. A palavra que eu via refletida no espelho naquele exato momento. Apesar de esperar que fosse o meu rosto amassado, com meus cabelos bagunçados e meus olhos que dizem: acabei de acordar.

Me assustei um pouco ao olhar no espelho e não me ver, o Sentido ocupava o espelho inteiro e não via nem a ponta das minhas orelhas. E isso foi muito estranho, ainda mais para quem acabou de acordar.

Eu estava cansado demais para pensar, indagar, imaginar ou até mesmo não fazer nada disso. Então resolvi voltar para a cama, mas não consegui dormir, como é de se imaginar. Quando se vê o Sentido, não é possível ter sonhos tranquilos, ou até mesmo dormir. Então fiquei incomodado. Não pelo Sentido em si, mas por ele não ter deixado eu dormir. Então resolvi ficar de mau-humor. Resolvi que aquele dia seria um dia ruim, de muito calor, com ônibus lotado e que eu iria encontrar pessoas supérfluas com as quais eu era obrigado a conviver.

E assim foi o meu dia.

No dia seguinte o mesmo se repetiu. Acordei, blá blá blá, fui ao banheiro e novamente vi o Sentido refletido no espelho, invés de ver meu rosto amassado, de quem acabou de acordar. Então novamente me vi de mau-humor.

E assim foram muitos dias. Muitos anos.

Acordar, blá blá, ônibus, blá blá, trabalho chato e sem motivações, blá blá, pessoas chatas no horário de almoço, blá blá, muito calor, blá blá, telefonemas de cobrança, blá blá, salário baixo, blá blá, muito calor, blá blá, pessoas chatas no ponto de ônibus que acham que tem o direito de conversar com você só porque o ônibus está demorando, blá blá, ônibus lotado, blá blá, pessoas no ônibus lotado que ficam te empurrando pra lá e pra cá só porque o ônibus está lotado, blá blá... casa bagunçada, blá blá, preguiça disso e daquilo, blá blá blá blá.
E assim foram muitos anos.

Até que um dia eu resolvi que não estava com preguiça de pensar. Então pensei que os espelhos normalmente refletem aquilo que têm para refletir.

Então comecei as especulações.

        Ou eu não tinha um rosto ou eu era o homem invisível ou eu era como a mula sem cabeça ou não havia nada em mim além do sentido... ou da falta dele.
        Foi então que eu percebi que o que eu via no espelho todas as manhãs não era o meu rosto, muito menos o Sentido, mas sim, a falta dele.

          Como é de se imaginar, fiquei alguns meses de cama.

          Como é que alguém pode viver sem Sentido? Sem o Grande Sentido?

        Simples, eu não vivia. Eu me arrastava, dizia que ‘sobrevivia’, mas nem isso, acho.

            ...

          Alguns anos depois resolvi que era hora de sair daquela cama, daquele estado deplorável e procurei um sentido para mim, para a minha vida.

        Fiquei de cama mais uns anos e acredite: esse período da procura é frustrante.

            ...
         Então pensei que se realmente existe o Sentido, ele deveria se apresentar para mim. Ele que viesse até a minha casa. Não vou ficar correndo atrás de nada nem ninguém, já passei da idade disso. E de fazer amizades, e de ir trabalhar, e de procurar o sentido, e de trabalhar e de procurar o sentido e de ter boa memória e de viver.

       Então para a minha sorte a morte veio ao meu encontro. Ainda bem, porque eu não iria gostar nenhum pouco se EU tivesse que ir ao encontro dela, já passei da flor da juventude e não tenho paciência para essas... 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Achados e Perdidos


Todos os dias o sol surge, como sempre.

Todos os dias trabalhamos, como sempre. Todos os dias estudamos, como sempre. Nossos dias se resumem a isso, a fazer coisas que fazemos sempre. E tudo, que por acaso fugir disso, é diferente demais.

Segunda, terça, quarta, quinta e sexta.

Os dias se seguem, um após o outro. Como sempre.

Por que haveria de ser diferente?

Vivemos e nos escondemos dentro dessa rotina, dizendo para nós mesmos que sem isso nada seríamos. Quando no fundo, nem tão no fundo assim, o que queremos é apenas algo que balance nosso mundo. Algo que faça a diferença. E que faça com que enfrentemos tudo e não temamos nada.

Quando nos deparamos com essa brecha, o sol, que sempre nasce todos os dias, não nos parece tão igual ao dia anterior. Parece mais brilhante, mais radiante. De repente passamos a olhar pra cima e ver o céu e descobrimos que ele é azul, mas que às vezes fica rosa, laranja, meio esverdeado e quase preto.

Passamos a perceber que quando andamos uma leve brisa nos acompanha e isso já é motivo para deixar brotar uma leve sugestão de sorriso em nossos rostos. Nos flagramos pensando em coisas bizarras, corriqueiras, que antes nos proibíamos de pensar. Descobrimos que preferimos vermelho ao cinza. Que nosso sabor de sorvete preferido é o chocolate e que sempre esquecemos daquilo que queríamos lembrar.

Nos descobrimos humanos.

Tudo o que queríamos  era nos achar dentro de tanto caos, de tanta indiferença. Onde pessoas não agem como pessoas e animais não agem como animais. Queríamos nos achar para nos perder. Perder-se naquilo que realmente importa. Nos perder em um sorriso, em uma canção, em uma frase, em uma pessoa. Perder. Perder o ônibus, ou simplesmente mudar o rumo das coisas, por apenas um dia! Perder o horário. Perder o tempo e viver como se apenas uma coisa importasse pra você. Porque é realmente assim que as coisas deveriam ser.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O Nome do vento



Sinopse - O Nome do Vento - A Crônica do Matador do Rei - Primeiro Dia - Patrick Rothfuss

Ninguém sabe ao certo quem é o herói ou o vilão desse fascinante universo criado por Patrick Rothfuss. Na realidade, essas duas figuras se concentram em Kote, um homem enigmático que se esconde sob a identidade de proprietário da hospedaria Marco do Percurso.

Da infância numa trupe de artistas itinerantes, passando pelos anos vividos numa cidade hostil e pelo esforço para ingressar na escola de magia, O nome do vento acompanha a trajetória de Kote e as duas forças que movem sua vida: o desejo de aprender o mistério por trás da arte de nomear as coisas e a necessidade de reunir informações sobre o Chandriano - os lendários demônios que assassinaram sua família no passado.

Te cala(m)


Sorriso que morre
De um olhar, divino olhar
Frio como o sangue que corre
Porque não pode se esquentar

Em mim nascia a vontade
Silenciosa e imutável
Vigorosa naquela tempestade
Em que a raiva era indispensável

E depois do sol, vem a tristeza
Minha amiga, clareza
Que nunca se cansa de escutar

O que dizem aqueles que não sabem falar
Cala-te desejo insano
Não és dono de mim, tampouco és santo

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Silêncio





Mais uma manhã fria surgia, mas não era tão fria quanto o meu coração. Coração esse que estava cheio de pesares e apesares, que por sua vez não era tão frio quanto palavras inesperadas, que queimam mais do que o fogo.

O céu que agora está claro, já esteve nublado, e não pude distinguir seus significados. Outrora minha mente estava clara, agora jaz nublada, diante da falta de perspectiva do momento seguinte, da palavra seguinte.

A espera do sol não é mais dolorosa do que a espera do som, onde reina o silêncio puro. Puro, branco e frio, como o gelo.

Se ao menos eu pudesse quebrar esse silêncio... aspirar o ar com meus pulmões, o aquecer, fazer vibrar a minha corda vocal...

É em vão.

Não se pode quebrar uma muralha com um sopro. Não se pode vencer a pedra com o ar. Nem quebrar o silêncio com uma palavra.

Palavras frias e inesperadas que queimam mais do que o fogo. Que são mais frias que o meu coração, que é mais frio que essa manhã. Manhã sem nuvens e sem dúvidas.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Lugar

Acordei naquela manhã com uma breve sensação de que aquele dia não seria um bom dia. Quais dias são bons dias?
É impossível ser sem estar. Feliz ou infelizmente é assim que as coisas funcionam. Eu sou alguém, logo, inevitavelmente, se existo, existo em algum lugar. Infelizmente não podemos escolher sempre os lugares que queremos estar.
Aquele dia não seria um bom dia (como os outros) porque ao acordar sabia onde deveria estar às 9h. Trabalho. Você não vive sem ele e ele não vive sem você. Você vive pra trabalhar e trabalha para viver, quem inventou isso eu não sei, mas é o que vale nos dias de hoje.
Desculpe o palavreado, é que quando vivemos e passamos por muitas coisas e presenciamos vários estágios e reações do ser humano, passamos a gostar menos das pessoas, logo, nos tornamos pessoas estressadas e antissociais, para evitar todos os contatos possíveis, menos os inevitáveis, claro, porque são inevitáveis.
Quando nos levantamos da cama, nos jogamos a uma série de coisas que podem ou não acontecer e isso é tão assustador, que nunca, nunquinha dá vontade de largá-la (a cama). Tudo isso faz parte da vida, ou pelo menos é o que falam. Quando nos levantamos da cama, arcamos com tudo o que pode acontecer fora dela, por mais assustador que isso possa parecer.
Além do trabalho, existem outros lugares, como casa, escola, parques, shoppings, ruas, esquinas, e lugar algum.
Mas mesmo com tantos lugares ainda é possível sentir como se não houvesse um lugar. O seu lugar. Essa é uma sensação horrível. É quando percebo que moro dentro de uma bola gigante, cheia de água que flutua no universo, na imensidão do universo e me sinto pequeno e sem lugar.
Gosto muito do canto onde se encontram o chão e a parede do meu quarto. O piso é frio e lá bate uma corrente gelada que passa pela janela, que sempre deixo aberta, porque adoro sofrer com as mudanças bruscas do tempo.
Lá é um bom lugar, esse cantinho do meu quarto. Mas quando alguém coloca alguma coisa ali, como uma estante ou mesinha, me sinto sem lugar de novo. Por que as pessoas tem mania de mudar os móveis de lugar?
No fim, mesmo tendo tantos lugares e tantas pessoas, não tenho lugar nenhum e tenho só a mim. Confesso que às vezes me iludi, achando que tinha alguém, algumas pessoas, mas pessoas são pessoas e sempre vão ser pessoas, porque é isso o que elas são. E eu também.
Já me disseram para procurar esse tal lugar dentro de mim, mas dentro de mim há certa bagunça organizada, que deixa meus pensamentos numa ordem que só eu entendo. Não quero mudar isso, mudar as coisas de lugar. Tenho medo de não achar onde deixei meu pensamento de terça à noite. Isso seria como o indício do Apocalipse.
Por isso todos os dias não são bons dias. Pois sou um penetra, que vive com pessoas em lugares que nunca serão, nunca serão...
O meu lugar.

O Cello


Música, música profana
Invade os ouvidos da dama
E jorravam notas de mim
E eu nunca vi coisa assim

Tocava cello com a alma
Dedilhava com muita calma
A todos ela encantava
Gritavam brava, brava, brava

Ela estudava a clava
Tocava as notas da oitava
E a noite toda tocou

E o doce gosto provou
Das notas bem tocadas
E o sabor de quem amou

Dor


Não existe essa de dor
É só ilusão, sensação, calor
Também é frio, muito frio
E dói cada arrepio

É na cabeça e na barriga
Tão chata quanto intriga
Mas se não cuidar dela, amigo
Não existirá nem abrigo

Que possa afugentar a danada
E começa, sem fim, a caçada
Mas não existe dor pior

Que a (r) d o r do coração
Essa custa a passar
Quer se importe ou não

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dormi


O vento frio entrava pela janela do quarto, bem debaixo do meu cobertor e fazia percorrer pelo meu corpo um arrepio, de frio, sozinho. Eu perdia tempo, tentando ter tempo pra fazer a única coisa que me importava naquele tempo. A luz da lua iluminava meu quarto, uma luz triste e melancólica, que me trazia lembranças de um tempo que acabara de passar. Um tempo feliz e só meu.

Dormi.

Sonhei que ia à casa dele, olhava para aqueles olhos e sentia aqueles braços num abraço sem fim. Conversávamos sobre várias coisas, ríamos juntos, dançávamos e nos beijávamos. E aquilo era tudo, porque não havia nada além daquilo e sabíamos que nunca haveria.

Acordei.

Na verdade nem tinha dormido. Outra luz agora iluminava meu quarto. Uma luz meio amarelada. O sol? Sim, o sol. A espera se tornou  minha maior angústia. É como se toda a minha vida eu tivesse passado incompleta e de repente, alguém me completou, perfeitamente. E de repente, cá estou. Sentindo falta dessa parte.

Quando dei por mim, estava na escrivaninha, escrevendo algo. Uma carta, talvez. Prometi a mim mesma que enviaria essa carta assim que possível. As palavras que estavam escritas nela eram tão urgentes quanto meus sentimentos.

Enviei a carta. As pessoas na rua me pareciam tão estranhas, tudo era tão cinza. O ar era quase sólido e mesmo no verão eu sentia frio. Me vi novamente em casa. Todos os cômodos vazios. O vento assobiava uma canção de desespero e de coleguismo. Como se ele soubesse como é percorrer todas as ruas, todos os lugares em busca daquilo que se quer encontrar e a única coisa que conseguisse fosse um assobio.

Cantei e falei. Pedi ao vento que levasse minhas palavras a pessoa que tanto amo. Na verdade, a pessoa que mais amo. Fiquei esperando resposta. O vento soprou forte, batendo as janelas violentamente. Talvez ele tivesse me escutado, e se eu tivesse muita sorte, talvez, só talvez, ele também estaria sentido minha falta. E gritando aos ventos pelo meu nome.

Se assim fosse, nossas palavras se encontrariam no meio do caminho e se contemplariam, aproveitando a presença uma da outra, enquanto palavra, enquanto parte de mim, parte dele.

Voltei para o meu quarto.

O vento frio entrava pela janela do quarto, bem debaixo do meu cobertor e fazia percorrer pelo meu corpo um arrepio, de frio, sozinho. Eu perdia tempo, tentando ter tempo pra fazer a única coisa que me importava naquele tempo. A luz da lua iluminava meu quarto, uma luz triste e melancólica, que me trazia lembranças de um tempo que acabara de passar. Um tempo feliz e só meu.

Dormi.


Em branco

Abri a porta e me sentei na minha escrivaninha. Estava cheia de papéis, textos, canetas, embalagens vazias. Arredei tudo para os lados, peguei uma folha em branco e uma caneta preta, não por ter preferência pela cor, mas simplesmente porque foi a primeira caneta que correu para minha mão. Pensei em começar a escrever. Mas escrever o quê? Todos os dias nascem escritores, bons e ruins, e todos eles escrevem sobre qualquer tipo de assunto que alguém poderia imaginar. Sobre a vida, sobre a morte, sobre o dia, sobre a noite, a lua, o sol, as estrelas. Sobre política, história, ficção, ciência, literatura. Sobre astrologia, astronomia, comida, tecnologia...

O que eu poderia escrever? Dentre todas essas coisas, nenhuma parecia brilhar aos meus olhos. Nenhuma parecia gritar aos meus ouvidos, me seduzindo e induzindo. Eu tinha o controle. Tinha o papel (em branco) e a caneta (preta). Resolvi que não queria o papel, nem a caneta. Não queria escrever um texto, queria escrever um livro.

Trabalhei dias sem parar, fiquei semanas sem dormir direito, mas trabalhei duro para conseguir terminar o livro no prazo que eu mesma estipulei.


Terminei o livro, minhas mãos estavam suando, eu estava nervosa, meu coração acelerado. Quis criar algo diferente, mas comum. Algo que fosse apaixonar e se deixar apaixonar pelos leitores. Algo muito particular, muito próprio.

Meu livro foi publicado, estava em todas as livrarias do país, todos estavam comprando meus livros. Fizeram resenhas maravilhosas, críticas superinteressantes, todos os leitores ficaram fascinados.

Então, a primeira pessoa que comprou o primeiro livro, o abriu e se surpreendeu.

Ele estava em branco.

(...)

Foi um fiasco. As pessoas pegaram seus dinheiros de volta, me processaram.

Nenhuma delas entendeu o que aquilo significava. Nenhuma delas conseguiu ler a ausência de palavras e tudo que aquilo poderia vir a ser um dia. A própria história de cada um deles. Ou uma história sobre a lua, o mar, as estrelas, sobre ciência, tecnologia, ficção, astronomia.

Para isso, bastava uma caneta (preta).