segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da terra ao céu



Numa entediante noite de julho, em que aparentemente nada de novo aconteceria, recebi uma mensagem. Um amigo distante estava na cidade e gostaria de me encontrar. Fazia tempo que não mantínhamos contato, mas era aquele tipo de amizade que apesar de ficar muito tempo sem ter contato com a pessoa, quando o reencontro acontece, parece que nada mudou e tudo flui naturalmente.

É preciso dizer que hesitei bastante a respeito desse encontro, mas como não havia nenhuma previsão mais agradável para a noite, resolvi ignorar minha intuição e fui no local e na hora combinada.

A lua estava bem bonita e o céu bem estrelado. Quantas estrelas! Sempre ao olhar para o céu sentia que havia algo que precisava, que pedia para ser interpretado, lido, mas algo me deixava cega. Talvez a maravilha da criação... e então eu me lembrava de algo que me disseram uma vez: “não há tempo para se maravilhar com as coisas de Deus”. Não sei até que ponto eu concordava com isso, na verdade, acho que nem ao menos concordava, mas era sempre engraçado me lembrar disso.


A Praça não tinha nada de espetacular, mas era um lugar agradável e muito movimentado, apesar disso, a primeira pessoa que realmente vi foi ele, o meu amigo. Não sei ao certo descrever tal momento, muito menos descrevê-lo. Eu poderia tentar, mas seria um atentado, com certeza. Por enquanto basta dizer que eu estava feliz e ele também, apesar de se demonstrar muito nervoso e rígido. Ele segurava uma flor e suas mãos tremiam. Ao me aproximar eu esperava um “oi, como vai?” ou até um “o tempo está bom esta noite, não é mesmo?”, mas ele apenas estendeu a mão e me ofereceu a flor. Eu rejeitei.
A situação pode parecer um pouco estranha, não se engane, foi muito estranha, porém havia algum entendimento na oferta e na recusa. Como ele me ofereceu algo, a flor, lhe ofereci um abraço e ele aceitou. Começamos a caminhar em silêncio, aparentemente observando as pessoas e as coisas ao redor, mas na verdade eu estava absorta em pensamentos e sei que ele também, isso nos levava a uma introspecção profunda, muito inapropriada para um reencontro de amigos, em que se espera sorrisos, conversa, relembrar os “velhos tempos”... nada disso estava acontecendo, não visivelmente.

Eu estava com receio de falar e de repente falar sem parar ou falar algo inapropriado, mas o silêncio começou a incomodar. Quando eu pensei em dizer algo, ele me interrompeu, se é que isso era possível, já que eu nada havia dito.

- Por que não me respondeu antes? – a pergunta saiu com um tom de cobrança e culpa e logo ao perceber isso ele tentou disfarçar, mas era inútil tentar esconder algo de mim.
- Querer não é poder – dei uma risadinha achando que tinha feito algum tipo de piada, mas ele apenas ficou mais sério ainda – Eu poderia lhe dizer várias coisas agora. Como por exemplo que é natural você estar chateado comigo e que falar sozinho realmente não é algo muito legal. Também poderia dizer que estou desapontada com você – um segundo de surpresa escapou no rosto dele – Sim, estou realmente desapontada, tive meus motivos. Talvez não tenha sido tão claro, mas qual pessoa consegue ser clara sempre? Tudo está sujeito a interpretações e talvez você não tenha conseguido me interpretar da forma que eu desejava.

Ele me olhava como se eu falasse finlandês ou algo do tipo. Então ele riu e fomos jantar em um restaurante ali perto. Apenas por alguns instantes parecíamos duas pessoas normais, tendo um jantar casual e conversando de coisas triviais, como se nada tivesse acontecido. Ele me disse que nesse tempo em que perdemos o contato ele foi abduzido, que entrou e saiu de umas 3 bandas e que sua namorada o chamou para irem morar em São Paulo.

- Que ótimo! Quer dizer, quando vocês se mudam?
- Não sei ao certo se quero ir... – foi uma resposta esperando outra pergunta, mas eu não iria cair na armadilha, não iria cair no silêncio mortal outra vez. Mudei o assunto. Caímos em assuntos perigosos o tempo inteiro e com classe eu me esquivava. Engraçado! Eu sempre disse odiar pessoas que se esquivam de mim e era exatamente isso o que eu estava fazendo, me esquivar! Que outra forma havia? Eu sei, não precisam me falar...

O tempo estava passando rápido e eu quase não estava percebendo o efeito que aquela conversa toda estava fazendo em mim... depois de um tempo ele entrou em um silêncio que parecia inquebrável. Tentei fazer todo o tipo de gracinha para fazê-lo rir ou falar algo, mas nada funcionava. Depois de mais um tempo eu comecei a achar aquela brincadeira muito chata, muito chata mesmo. Então comecei a ficar preocupada e pedi ajuda. O garçom chamou uma ambulância, porque eu estava em estado de choque e nada conseguia fazer e logo Emanuel e eu estávamos indo para o hospital mais próximo.

Fiquei alguns minutos em uma sala de espera até que um jovem médico veio me dizer que Emanuel estava em uma espécie de coma. Eu não tinha contato com nenhum familiar ou amigo dele, então não havia como avisá-los. A única coisa que eu conseguia fazer era me sentir inerte...

No quarto em que ele estava internado, havia uma poltrona em que me sentei e logo adormeci. Então sonhei que eu era de outro planeta, vinha em uma nave, encontrava Emanuel perto de uma praia e tentava convencê-lo a ser abduzido, mostrando todos os benefícios que ele teria e que a Terra não poderia ser salva, o fim estava próximo e eu queria salvá-lo.

Em vez de simplesmente entrar em minha nave, ele me convidava para uma caminhada e me dizia coisas sobre a música, o tempo, fazer o que queremos, o amor, a criação e Deus. Então eu cometi um grave erro, me apaixonei. Me apaixonei pela Terra. Minha missão era abduzi-lo e de repente eu fui abduzida. A última coisa que lembro do sonho é que havia um prazo para o fim e que isso me aborreceu muito! Não o fim em si, mas o prazo e toda a cobrança que isso implicava.

Três dias depois ele saiu do coma e durante uma caminhada de despedida, tivemos uma conversa estranha.

- Obrigado, Maria, sou muito grato. Você com certeza deve estar pensando sobre a conversa que tivemos, na beira da praia.
- Nunca nos encontramos perto de uma praia antes!
- Às vezes fico me perguntando se estou no caminho certo, digo, para salvar as pessoas. Parece ser um trabalho tão difícil...
- Como salvar pessoas que não querem ser salvas?
- Querer não é poder! – a frase estava fora de contexto, mas pareceu apenas um escape para um sorriso. – Vamos salvar o mundo juntos?
- Acredito que todos podem fazer muito. Eu aqui e por aqui e você lá e por lá. E aquele senhor, da sua própria maneira – eu apontei para um senhor de uns oitenta anos que alimentava um cachorro de rua – As coisas parecem ir para uma linha sem fim e ainda assim muitas pessoas não se importam, mas ainda há esperança. Eu ainda acredito no poder de transformação das palavras, das emoções, das ações, da magia e do amor.
- Acredita no poder de transformação do amor? – ele perguntou. Então parei a caminhada e de repente o tom da conversa mudou.
- Eu tenho tantas coisas para dizer! Nem sei por onde começar! No entanto, optarei, ao menos por um tempo, não dizer nada. Apenas lembre-se que não dizer nada também é dizer algo.
- Como desejas.

Nos despedimos ali mesmo e segui o meu caminho. Tudo foi muito estranho. O reencontro, a conversa, o silêncio, o coma, o sonho e a última conversa, mas ao mesmo tempo tudo pareceu normal.

Ao chegar em casa entrei numa introspecção profunda e comecei a pensar sobre tudo... sobre o mundo, o dia-a-dia, o tempo, a vida, as pessoas e suas formas de vida, a desigualdade, a fome. Também pensei no carinho gratuito, na solidariedade, na capacidade que o ser humano tem de se reerguer diante de situações difíceis, pensei na família e no milagre da vida...

Então, antes de cair em um lugar difícil de sair, pensando em como o mundo estava e como estará em algum tempo, me lembrei da brevidade da vida. Nada somos, apenas estamos... cada dia de vida é um dia mais próximo da morte... Resolvi então, a partir daquele momento, jamais me privar daquilo que realmente quero, porque não podemos comprar o tempo perdido e se pudéssemos, não teria dinheiro para isso! Já viu o valor do dólar?
Vivemos na Terra, mas almejamos o céu...

Olhei pela janela e vi uma bela flor e espirrei, bem apropriado. Me lembrei de meu amigo Emanuel e de todas as pessoas que foram meus amigos e não são mais, pensei em meus familiares, pensei em todas as pessoas que ainda vou conhecer, pensei em meu noivo Tiago. Quanto já vivi! Quanto ainda há para viver! Sorrindo, mandei uma mensagem para Tiago, dizendo o quanto o amava e marcando um encontro para o mesmo dia. Em seguida telefonei para meus familiares para dizer o quanto sinto a falta deles e por último mandei uma mensagem para Emanuel dizendo “oi”.

Em seguida meu telefone tocou, era da companhia telefônica, não pude deixar de rir ao perceber que por maior que seja o estranhamento que tenhamos das coisas que acontecem no mundo, esse mundo, as coisas continuam... e assim nos dá a sensação de que sempre continuarão, porque tem sido assim desde nossos bisavôs e esperamos que assim seja até depois dos nossos bisnetos.
Esperamos que assim seja.

Amém.


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