quinta-feira, 21 de julho de 2016

Tal pai, tal filho?

Às vezes tudo o que eu queria era dar uma pausa da vida corrida e da rotina louca em que estava. Eu trabalhava de 8h às 20h, todos os dias, e ao chegar em casa ainda recebia telefonemas e e-mails com coisas aparentemente extremamente importantes e que precisavam de uma solução imediata.

Aos finais de semana eu limpava minha casa, saia para passear com os meus gatos e os cachorros (sim, meus gatos passeavam junto com os cachorros), escutava música, passava algum tempo na internet e o melhor de tudo, tocava meu piano. Na verdade, era o piano de minha mãe, o recebi de presente assim que me mudei para minha própria casa.

Todos os amigos da família dizem que meus irmãos, Fred e Jorge são a cara do meu pai e que eu sou a cara da minha mãe. No começo eu não gostava muito disso, as pessoas estão sempre dizendo que nos parecemos fisicamente com fulano, que temos o temperamento de ciclano e que somos bons em música como o beltrano. Parece uma tentativa meio frustrada de nos identificar, dando a ideia de que se somos assim, somos porque o fulano também é.


Entretanto, atualmente encaro o fato de parecer com minha mãe o melhor elogio que eu poderia receber na minha vida. Sei me diferenciar dela, mas também sei reconhecer os traços que compartilhamos. Minha mãe sempre foi meio temperamental e inquieta, sempre tamborilando os dedos em algum lugar (como se tocasse piano) ou sempre murmurando coisas para si mesma, mesmo quando outras pessoas estavam por perto. Isso ficava mais estranho quando ela murmurava coisas em latim! Algumas pessoas diziam que ela estava lançando feitiços e que era uma bruxa e eu achava isso tudo muito engraçado e divertido.
Minha mãe sempre foi o tipo de pessoa que gosta de surpreender e dificilmente se surpreende com alguma coisa. Ela sempre, sempre sabia de tudo. Isso sempre foi tão irritante, mas às vezes me causava um alívio saber que não precisaria contar o que aprontei para ela, porque de alguma forma ela já sabia de tudo.

Me lembro de algumas vezes em que todos jantávamos à mesa e ela de repente se levantava bruscamente e saía de casa. Quando ela voltava, algumas horas depois, contava energicamente as coisas que fez, os lugares em que foi e algumas vezes trazia algum brinquedo para gente.

Meu pai de alguma forma aprendeu a lidar com esse comportamento meio insano da minha mãe. Acredito que ele sempre foi aquilo que mantinha minha mãe na terra, mas de forma carinhosa, sem privá-la de suas loucuras e de seus sonhos e sempre lembrando que existiam coisas que ela mesma havia construído e que pediam um pouco da sua atenção.

Ele tinha a paciência de um apostador de corrida de bicho preguiça e por mais que tivesse um ritmo um pouco mais lento que o da minha mãe, ele sempre aparecia com a solução para qualquer problema e isso sempre foi incrível.
É, parando para pensar um pouco nisso tudo, eu me identifiquei com traços de ambos e isso sim é motivo para me orgulhar. É claro que nem sempre as coisas foram fáceis. Não é fácil ser filho, não é fácil ser pai, não é fácil ser esposo (a), mas há algo que meu pai costumava dizer e que, apesar de achar um pouco meloso, eu achava que era a declaração mais linda que ele dizia para todos nós e ele sempre nos dizia isso exatamente quando precisávamos ouvir:
“Creio que tenho feito bem o meu trabalho, não me arrependo das coisas que fiz, as faria de novo. É certo que não fui nenhum revolucionário que mudou a lei e a política. Nem fui um grande cientista que beneficiou o mundo com suas descobertas. Fui um homem que amou uma mulher. Não mudei o mundo inteiro, nem tive essa vontade. Mas o meu amor fez com que eu quisesse que o mundo fosse um lugar melhor para que as pessoas que eu amo fossem felizes.
Se eu consegui isso, ao menos em parte, não sei dizer. Mas sei que vou continuar tentando enquanto viver.”.

Esse pequeno discurso do meu pai era algo que eu trazia escrito e guardado em minha carteira para ler sempre que precisasse e ultimamente eu tenho precisado tanto, que já até decorei essas palavras e mais que isso, aprendi o significado que existe nelas...

Agora eu estou rindo de mim mesma e pensando que nossa mente é engraçada... tudo o que eu precisava era de um tempo para mim, comecei a pensar em mim e logo fui parar em meus pais. Se formos parar para pensar, talvez eu nem tenha saído tanto do rumo assim... não tanto quanto parecia!
Voltando ao mundo real (o que é real? E quando foi que eu saí desse mundo mesmo?) a campainha estava tocando.

- Ei, velha! – exclamaram Fred e Jorge que foram entrando na minha casa e quase me derrubando no processo.
- Oi, minha filha! – Meu pai, Leo, me deu um abraço e entrou.
Na porta, paradas, restaram eu e minha mãe.
- Lúcia, achei que você estivesse precisando dar uma pausa da sua rotina doentia, então trouxe os meninos. Ah! Também trouxe pudim!

Eu estava pensando que queria um tempo só para mim, eu e eu, absorta em meus pensamentos e nas minhas tarefas diárias, mas o que eu realmente estava precisando era passar um tempo com as pessoas que eu amo e que eu sei que compartilham do mesmo sentimento.
Em menos de dois minutos eu havia ganhado um empurrão e um abraço, e minha mãe, com um sorriso, trouxe tudo isso, que é exatamente o que eu precisava.

23 comentários:

  1. Me indentifiquei muito com esse texto, parabéns 💕

    Titia bea

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  2. Que texto mais lindo, nao tem como nao amar ele, as veces a gente que fugir mesmo, mas o melhor lugar pra fugir é pra dentro da nossa familia, seu post foi muito inspirador pra mim. <3

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  3. As vezes temos essa sensação de querer estar no nosso mundinho, e ficarmos quietos pensando. Mas nada que boas companhias, ainda mais familiares nos façam bem, não é mesmo!
    Adorei seu texto, está lindo!

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  4. Lendo esse texto me arreme muitas lembranças sobre a minha própria vida.. e da gostinho de saudades... Me identifiquei muitooo.. Família é tudo, e todas tem suas adversidades! parabéns ameiii :)

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  5. Que texto lindo adorei demais as vezes eu fico querendo um tempo só para mim em algum lugar distante amei demais beijão sucesso <3

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    1. É sempre bom tirarmos um tempo pra gente, mas sem deixar também de tirar um tempo para quem nos ama!

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  6. Sei como é!
    Todos dizem que sou a cara de minha mãe e, cada dia mais, encaro isso como um elogio.
    Também tenho muito do meu pai...
    E acredito que seja essa mistura que nos faça únicos e especiais!
    Família é a nossa base e nosso porto seguro ♥

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  7. Isso mesmo, Lahri! Somos um pouquinho de cada e muito de nós mesmos! ;)

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  8. Família é tudo mesmo e não vejo longe deles, acredito que a família são os melhores amigos que podemos ter.

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  9. Gostei do texto. As vezes queremos um tempo so pra nós mas é sempre bom ficar um pouco com a familia

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  10. Boa noite!
    Que texto magnífico.
    "Mas sei que vou continuar tentando enquanto viver" aproveito essa frase também para o seguinte sentido, não desistir dos nossos sonhos, dos nossos ideais e não esquecer das nossas origens.
    Gostei muito do seu texto e está de parabéns.
    Tem um talento incrível.

    www.maiconac.blogspot.com.br

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    1. Não podemos desistir dos nossos sonhos, mesmo! Se não lutarnos por eles, ninguém mais lutará!
      Obrigada!

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  11. Não podemos desistir do que queremos. Você escreve super bem, tem talento. Eu amei seu texto, impossível n amar!

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  12. Muito bom o texto! Adorei, me identifiquei muito.

    Beijos,
    http://lipstickandpolaroids.blogspot.com.br/

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  13. Oie... que texto mais incrível. Acredito que não há nada mais importante do que nossa família. As vezes a correria do dia a dia nos faz deixar algumas coisas de lado. O bom é que textos assim nos fazem refletir. Obrigada pelas palavras. Beijos, Érika *-*

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