sexta-feira, 17 de maio de 2013

(Dom) Casmurro!




            Mais um dia, mesma rotina. Lá estava eu, acordando e me preparando para sair logo. Não estava bem. Não acho que era por causa da gripe, mas naquele momento era incapaz de sequer supor o motivo do meu mal-estar.
            Tive que correr para não perder o ônibus, mas perdi.
            Frustrada. Acontece.
            Algum tempo depois o próximo ônibus chegou. Entrei. Sentei-me. Esperei. Não sabia o que ou pelo que esperava, mas ainda assim, esperava. Inquietava-me. Então ele entrou.
            A princípio pensei que fosse outra pessoa, mas não... era ele mesmo. E para minha surpresa, ele se sentou no banco em frente ao meu, virando-se para me ver.
            -Oi. – ele disse um ‘oi’ seco, mas hesitante. Como se não soubesse se queria ou não me cumprimentar.
            -Oi. – eu respondi. Um ‘oi’ confuso e ao mesmo tempo tentando parecer o mais despreocupada possível. Não sei se funcionou.
            -Como você está? – ele me perguntou como quem faz a mesma pergunta para um cachorro.
            -Estou bem. – respondi como quem não quer nada, mas segura de mim. – E você, como está?
            Nesse momento ele hesitou. E quando abriu a boca para responder, eu interrompi – Você sabe que quando eu te pergunto como você está, não estou perguntando como quem diz ‘oi’, mas sim, realmente quero saber como você está.
            Como era de se esperar, ele ficou mudo. Parecia distante, tentando relembrar uma época mais ou menos distante.
            -Verdade! Não poderia esperar menos de você. Você não mudou nada!
            -Em essência não. Mas mudei sim. É preciso reciclar as ideias de vez em quando. Então chega aquele momento crítico em que olhamos para trás e nos lembramos de pensamentos e visões que tínhamos e nos envergonhamos de algumas delas. – nesse momento talvez eu tenha tocado em uma ferida aberta. Ferida minha ou dele? Não importa. Ele ficou calado mesmo e isso me irritou. Me segurei para não agir impulsivamente, como nos velhos tempos, mas há certas horas em que é preciso agir primeiro e pensar depois. Pelo menos foi essa a justificativa que usei naquela hora.
            -Você está bem? – eu quis gritar, mas não chegou a tanto – Às vezes me pergunto como pode estar, ou como poderia não estar. As pessoas ganham e perdem a todo o momento, não é mesmo? Mas que importa? Nesse ano que se passou nunca parou para olhar para trás e pensar por um segundo que seja? Nunca relembrou aquele tempo que éramos aprendizes e aprendíamos errando? Que buscávamos por perguntas que poderiam não ter respostas? Nunca parou... para... – então eu parei. Estava exaltada, mas tinha conseguido me controlar bem. Olhei para aquela criatura que estava postada na minha frente, pasmo e ainda distante. Como se tentasse se lembrar de algo e quisesse agarrar isso como uma memória segura, de um tempo que já passou.
            -Capitu! – ele me respondeu. Não é preciso expressar minha raiva. – Capitu era mais mulher do que eu sou homem! Escapei aos amigos, escapei a minha família, escapei de você, mas não escapei de mim mesmo! Eu falava-me, eu perseguia-me, eu atirava-me à cama, e rolava comigo, e chorava, e abafava os soluços com a ponta do lençol. Jurei não te ver, nem antes, nem nunca mais. Já me via decidido, diante de você, que choraria de arrependimento e pediria perdão, mas eu, frio e sereno, não teria mais que desprezo, voltando-lhe as costas. Perversa! Dissimulada! Mais mulher do que eu sou homem...
            Fiquei pasma. Não consigo encontrar outra palavra para expressar o meu espanto diante de tamanho drama e tamanha verdade.
            -Olhos de ressaca, vá, de ressaca! Você me encara com os mesmo olhos de ressaca! Dissimulada! Perversa! Mais mulher do que eu sou homem...
            Me cansei daquela novela.
            -Se a resposta for positiva para as perguntas que te fiz, faça alguma coisa! Se for negativa, não faça nada! Mas ciente de que não fazer nada é também fazer alguma coisa. Mesmo que essa coisa nada seja.
            Dizendo isso dei sinal para descer no ônibus e desci, em um ponto em que não iria descer. Mas não podia mais ouvir tamanhas verdades sem dizer as minhas. Para evitar qualquer situação, fugi, me esgueirei, escorreguei por entre os dedos dele.
            “Capitu” ele sussurrou por trás da janela do ônibus, em seguida suas lágrimas afogaram quaisquer outras palavras que ousassem surgir por entre os dentes.
            Nada. Foi o que eu disse, foi o que eu fiz.
           
            Bati com a cabeça na janela do ônibus e acordei. No banco da frente estava marcado, com faca, talvez, a palavra DISSIMULADA em caixa alta.
            -Deixe estar. – disse em voz alta. Então ele entrou.
            A princípio pensei que fosse outra pessoa, mas não... era ele mesmo. E para minha surpresa, ele se sentou no banco em frente ao meu, virando-se para me ver.
            -Oi!

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